Autor/obra; sujeitos-imediatistas
Autor/obra; sujeitos-imediatistas
Interpretar não é compreender. Chegar a uma exegese exige bem mais que a inteligibilidade e o que se “pensa”. Importa quem escreve? O autor está vivo ou morto? “Todas as épocas têm que pulsar”, sendo assim, o autor se pluraliza para expurgar seus vários “eus”. Tentar encontrar esse “eu”, pode fabricar ideias e deturpar o discurso propagado. O autor deve assinar a obra, mas a responsabilidade do conteúdo será dele?
A verdade, ou verdades é que, somos reféns do significante – Ferdinand de Saussure - do dito e não-dito, de uma verdade estabelecida e proferida; a ordem contínua de pensamento. Essa ordem faz sujeitos passivos, subservientes e limitados; sujeitos-imediatistas. Interpretar fica no aquém do que se pode entender, responde a contento a superficialidade, e, assim, sujeitos-imediatistas vão se alastrando.
Percebe-se a passividade do ser diante da obra, no qual a busca começa em: quem fez? Acrescentando logo em seguida o desfecho: o que quis falar? A superficialidade, segundo Eni Orlandi, é a causa da propagação da passividade. Decodificar e interpretar passou a suprir a necessidade da compreensão. Compreender vai além do que é proposto; é a busca do que está atrás; é pensar e refletir muitas vezes o que foi dito e redito; é a história e a filosofia concatenadas; é a busca do cerne nas entrelinhas (...).
O autor “sacrifica a sua vida em busca da eternidade”, portanto, a obra é mais importante que ele. Ele quem fala, mas ele já está morto. “Não há velho sem novo e nem novo sem velho”, são os “eus” fabricados em um momento para saciar o desejo de expor ideias. Há “eus” e não “eu”, o corpo está em movimento, assim como a memória e os discursos. Autor e obra nascem prontos, mas se separam quando querem uni-los para encontrar um sentido apenas; há sentidos. As pegadas foram deixadas em forma de rastros, mas, não siga, o caminho da compreensão não é apenas a decodificação e não termina em interpretações idiossincráticas.
A obra que sai das mãos do autor é perfeita, mesmo seus rascunhos e rabiscos - Jean-Jacques Rousseau -, mas, a partir do momento em que se buscam definições para tal, ela é maculada em sua gênese. O que quis falar o autor? Verdade, verdades.
Sujeitos-imediatistas comprometem o discurso e se viciam com idiossincrasias. O poeta mente, mas sente e mente... (Mário Paternostro), portanto, o autor é uma farsa, mas não a sua obra. O erro está em manter o enlace autor-obra e não desvencilhar ambos. O discurso propagado sempre terá um autor, todavia, ele não é mais importante que a intenção que há por trás. Tempo palpável o de hoje. Conhecer o autor, entrar em sua intimidade, parece facilitar a compreensão, todavia, até mesmo o autor se perde depois do abandono da obra. Será Picasso mais famoso que Guernica (painel pintado pelo próprio, em 1937)? Percebe-se que, autor e obra caminham em enlace, sacramentando a criação e engessando, muitas vezes, a compreensão. Esse enlace, autor-obra, pode condenar o criador, assim como, em Madame Bovary, - Gustave Flaubert – cujo autor foi levado a julgamento.
Se somos atravessados, segundo Derridá, não há originalidade autoral; se temos “eus” dentro de um “eu”, há uma farsa ( o ser usa o conhecimento para criar); mas ficar buscando um, no qual há vários, é interpretar apenas, não compreender. O autor não é o mesmo de ontem e será diferente de amanhã, por conseguinte, a obra terá que ser localizada em um tempo e espaço, para a sua plena compreensão.
Mário Paternostro