Um texto escrito com dor
"Um sistema de desvínculo: Boi sozinho se lambe melhor.. O próximo, o outro, não é seu irmão, nem seu amante. O outro é um competidor, um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada. O sistema, que não dá de comer, tampouco da de amar: condena muitos à fome de pão e muitos mais à fome de abraços." - Eduardo Galeano no "Livro dos Abraços"
Ah, essa fome de abraços a que estamos todos condenados! O sistema alimenta o medo e do medo nasce a fome de abraços! Sinto-me triste, envergonhada e impotente... E por mais que tente lutar contra o sistema, também trago em mim o medo e a fome de abraços...
Madrugada de sábado para domingo, voltava para casa de carro com meu gato depois de ter curtido a festa de carnaval. O caos instalado em Florianópolis: não havia transporte público na cidade porque o crime organizado - muito mais organizado que o governo - estava incendiando ônibus em todo estado. Na beira da estrada, lomba acima, uma senhora pedia carona. Afrontando o medo, paramos.
Dona Arlete voltava a pé - dezesseis quilômetros - depois de ter trabalhado até de madrugada servindo à festa da pequena burguesia. Embriagadas, as pessoas que lucraram com o trabalho de Dona Arlete continuaram festejando. Disseram-lhe que voltasse no dia seguinte para receber o combinado e largaram-lhe porta a fora, sem dinheiro e sem transporte...
O destino de Dona Arlete não era no nosso caminho de casa, mas isso pouco importava. Quando ela desembarcou, no pé do Morro da Caixa, ficamos em silêncio, forma de acolher a dor, a impotência, o desconforto, a tristeza, a culpa e a inocência... Estamos de mãos atadas...
E enquanto isso, o caos aumenta: maior o desvínculo, o medo e a fome de abraços...