OBSESSIVA

Uma tia, por obra de um tropicão, saiu catando cavaco ladeira abaixo e, com a ajuda de alguns anjos, conseguiu terminar esse rola morro apenas com um pé quebrado.

Imobilizada por uma bota de gesso, pediu à sobrinha para buscar a receita de seu calmante com o psiquiatra. Débora, prestativa, foi imediatamente sabendo o quanto lhe era necessária a medicação.

Estando o médico desocupado, foi logo conduzida ao seu consultório para fazer a requisição, porém, antes que abrisse a boca o homem já foi dizendo:

- Só de olhar para sua cara vejo que tem problema!

- Como assim?

- Você é obsessiva. Tenho muita experiência para saber disto!

- Escute, eu não vim consultar, apenas pedir que faça uma receita para minha tia, ela sim é sua paciente.

- Está vendo, acabou de provar o que eu disse! Porque ela mesma não veio?

- Porque está com o pé quebrado.

- Errado, isso não a impediria de obtê-la, mas você quer ter controle total sobre algumas situações, é irredutível em suas posturas, não é!

- Acha mesmo?

- Tenho certeza absoluta!

- O senhor já pensou em procurar um psiquiatra, estou vendo que tem um problema. É sádico!

- Como assim?

- Não quer que minha tia tome o calmante, só para que sofra as dores também durante a noite. Está sentindo um enorme prazer nisso!

- Acha mesmo?

- Tenho certeza absoluta!

Saiu dali com a receita, mas danada de raiva. Que disparate! Ele nunca a tinha visto antes e falar uma coisa dessas!

Chegando em casa desabafou com o marido. Espantado também, disse-lhe que o sujeito era doido, ela não era obsessiva, que esquecesse.

Não esqueceu, o pensamento ficou agarrado como chiclete no cabelo, mancha de óleo na roupa ou bicho de pé. Começou a reparar em suas atitudes. Verificava muitas vezes se a porta estava fechada, limpava os azulejos com escova de dente, lavava as mãos de hora em hora.

Seria mesmo obsessiva? Fez esta pergunta ao marido durante cinco dias seguidos, até que ele, cansado, não aguentou mais:

- Sim, se não esqueceu isso ainda é porque deve ser.

- Minha nossa e agora?

- Agora continue como sempre foi, nada mudou.

Foram palavras providenciais. Enfim Débora sossegou. Iria viver normalmente, do mesmo jeito que era. Tinha um consolo, se o médico estava certo em seu diagnóstico ela também acertara o dele. Só um sádico poderia fazer alguém sofrer tanto.

Passado um mês, a tia ainda sem poder andar, pediu-lhe novamente o mesmo favor... Que suplício para ela! Foi, precisava ajudá-la:

- Bom dia minha não paciente, obsessiva!

- Bom dia meu não psiquiatra, sádico!

- Sabe de uma coisa, olhando para sua cara estou vendo que também é...

... E começou tudo de novo.