Ainda tens meu endereço?

Fui ver uma casa em Mercúrio, possível futuro lar. Seguindo a instrução, marchei rumo a Rocha Ferro 283, e lá estava ela. Ó, desilusão! A janela que aqui dá pro Cristo Redentor, lá me acenderia as retinas com outra visão. Tudo reflete muito metálico e obscuro, como uma imagem prateada de um velho CRT, surrado pelo tempo. Ora, me dizem as vozes mundanas: decide de uma vez, não tens muito que gostar.

Não sei se fez bem, um vizinho, que anteviu esse momento de agonia e partiu. Amarrou-se ao bojo do Atlas V e seguiu clandestino e sem adeus com destino ao novo mundo. Pousou no planeta vermelho amparado pelo paraquedas da Curiosity. Hoje trabalha como cinegrafista da NASA - foi ele quem fotografou o robô em solo marciano - e reside quase feliz na Rua Amadeu Metano seiscentos e dezenove. Só não rasgou sorriso por lá porque ainda lhe acumula a solidão de areia.

Já um velho amigo, em resposta ao meu e-mail, intimou-me a fazer-lhe uma visita. Mora em Vênus desde uma violência sofrida por um dos seus. Disse não ter jeito de me perder. É só procurar pela Rua Ptolomeu Sulfúrico número quatrocentos e quinze. E quanto a minha pergunta sobre a cor da sua casa, aconselhou-me a não procurar por referências coloridas, tudo é muito amarelo até onde a vista alcança.

Assim como eu, pressionado pela vida, vive um pobre compadre, iludido que foi no passado. Aquele mesmo do Corcel 73. Está tão velho e acabado... Pensava prosperar em causa própria e ambicionou para uns tiranos. Aqueles lhe sugaram a vida, cerraram as bocas dos macacos às pipocas, enquanto aplaudiam seu desdém aos domingos no zoológico com a família.

Difícil é quem acredite, mas, tenho parentes em Calisto, Ganimedes e Europa. De lá às vezes me mandam notícias por telepatia, falando de coisas das quais às vezes desconfio. Como as de um primo distante, que insiste em histórias mirabolantes, no entanto, poéticas como essa: “meus filhos às vezes cavalgam gêiseres, e as minhas meninas, de noite admiram o senhor dos anéis, nosso vizinho”. Todos, porém, em consenso, sentem saudades do por do sol da nossa Terra. Consolam-se ao anoitecer, com a imagem multicolorida do gigante Joviano crescente.