Dona Rosa (Verídico)

Brrr…Que frio que está. Apre que há muito tempo não sentia este bater de matraquilhos. Este vento do norte acentua a acção do gelo que se vê junto ao passeio, obrigando-me a encolher o pescoço, tentando com isso aconchegar as orelhas na gola levantada do Kispo.

São oito da manhã, não se vê ninguém na rua excepto o trânsito automóvel no seu movimento constante, também só sendo maluco é que alguém andaria a passear com este tempo.

Com estes pensamentos vou-me aproximando de casa, mais encolhido que caracol na concha sempre que se lhe toca. Um bom dia, dito do outro lado da rua, ao qual respondo maquinalmente, faz com que volte a cabeça para ver o autor da saudação.

Ao ver de quem se tratava, dei por mim a franzir involuntariamente a testa num misto de ternura e pena: era a D. Rosa.

Já teriam decorrido para aí uns três anos, quando que pela primeira vez a vi. Uma senhora aparentando ter uns sessenta anos modestamente vestida, parada na entrada do prédio 27. Não me despertou grande atenção apesar de não a conhecer como pessoa que morasse na minha rua. Era provavelmente uma qualquer pessoa que quereria falar com alguém do prédio.

Com o decorrer do tempo, passei a ver quase diariamente, aquela senhora plantada na porta da escada sempre à mesma hora, dirigindo de vez em quando, um olhar ansioso através do vidro da porta, na direcção da escada.

Não dei muita importância ao caso, devia ser uma senhora que aproveitava a boleia de alguém do prédio para o emprego. Durante muito tempo a assiduidade daquela senhora tornou-se-me familiar. Passou a dar-me os bons dias como se fosse-mos vizinhos, o que aceitei com naturalidade, passando a ser um hábito sempre que a via.

Um dia, em que saio mais tarde de casa, vejo a D. Rosa a ir a pé para o lado de onde vinha todos os dias. Fiquei surpreendido e pensei: «Coitada lá perdeu a bolei». Porém, o ar satisfeito dela, deixou-me intrigado. C’os diabos então a senhora perde a boleia e vai com este ar feliz, até parece um miúdo que chega à escola e lhe dizem que não há aulas.

No outro dia aconteceu a mesma coisa. Novamente ela de regresso a casa com ar de quem acertou na lotaria. Perante este cenário a minha curiosidade ficou em pé de guerra. Confesso que durante quase todo o dia, dei comigo a pensar: «Isto não é normal! Então a senhora não vai trabalhar e leva aquele ar de felicidade! Amanhã ponho-me de plantão e hei-de ver o que se passa.»

Oito da manhã, disfarçadamente, entreti-me a limpar a minha carrinha, olhando volta e meia para o fundo da rua a tentar vislumbrar a D. Rosa, que derivado à minha ansiedade parecia que já não vinha. Finalmente ei-la.

Como de costume, chega à entrada do prédio, deita um olhar para a escada e pacientemente fica à espera. Com o rosto com uma expressão parada, a D. Rosa deita mais um olhar para as escadas e de repente o seu semblante ilumina-se. A porta abre-se e surge os vizinhos do 3º, com as suas três crianças com idades dos dois a oito anos. Não consigo ouvir o que dizem, mas dá para ver os olhos brilhantes da D. Rosa que tentava afagar a cabeça de cada uma, enquanto os pais as empurravam para dentro do automóvel. O automóvel já em andamento e as mãos da senhora ainda coladas ao vidro numa última carícia.

Com os olhos acompanhou o carro até virar na esquina. Olhando para o meu lado, dá comigo que especado assistia a tudo.

- Bom dia senhor. São os meus netos! - Diz a D. Rosa sorrindo.

Agora compreendi tudo. A alegria daquela mulher, que mesmo perante a indiferença da nora e do filho, tinha naqueles breves segundos que era o tempo de saírem do prédio e entrarem no automóvel enquanto tentava acariciar a todos por igual, numa sofreguidão só explicada pela desumanidade daqueles pais, que não permitiam que a pobre pudesse visitar os netos, abraça-los e beija-los. Só lhe restava estes segundos em que sentia toda a felicidade do Mundo.

Nem o frio como o de hoje nem a crueldade daqueles pais, demove a D. Rosa de lá estar no nº 27 à espera pelos seus escassos segundos. Ver os seus netos. Que coisa fantástica que é o amor. Não há frio, não há cansaço, não há fome, apenas aquela ansiedade da espera, depois é com alegria que diz: - São os meus netos senhor, são os meus netos.

Eu que também sou avô só posso dizer: Como eu a compreendo D. Rosa, como a compreendo.

Lorde
Enviado por Lorde em 15/02/2013
Código do texto: T4140993
Classificação de conteúdo: seguro