Às voltas com as voltas que a língua nos dá
Cansei. Cansei de chamar a atenção quando falo com as pessoas nas interlocuções orais diárias, das mais formais às mais coloquiais. Vim de um estado onde o uso do ‘tu’ é tão natural quanto o uso do ‘você’, concordando-se o verbo com o tu ou não. Lá, num tratamento mais cerimonioso, usa-se a tradicional forma ‘senhor’ ou ‘senhora’.
Já moro no Tocantins há uns dez anos, onde o uso geral nas interlocuções orais é o do você. Se você aqui ouvir alguém usando o tu, saiba logo de antemão que tal falante não é nativo: ou é do norte do Pará, ou de alguma parte do Amazonas, ou é de norte a sul do Amapá, ou natural do Rio Grande do Sul.
Dia desses num supermercado procurava por banana. Vendo um rapazote com uma penca amarelinha perguntei: “onde tu achaste banana?”. Ele em cima da bucha respondeu: “Acabaste!”. Insisti: “O quê?. O mocinho: “Num tem mais!”. Meu sobrinho rio da situação, até que eu compreendesse o real porquê do risinho do rapazinho.
Peguei o táxi e conversei sobre o assunto com o motorista, que me explicou: "aqui, se os pais ouvirem os filhos usando o tu dão logo uma chamada e mandam a criança se corrigir. Tem que usar você, porque o tu dá impressão de grosseria". Então, devolvi a ele, aqui tenho sido grosseira com todo mundo todo dia!
Bem que notava, em certas ocasiões, ao falar com certos balconistas: “Pegaste o que pedi [ou coisa semelhante]?”, que a resposta que me davam às vezes me parecia iniciar-se engraçada ou zombeteira: “pegaste sim!”.
Que filão de pesquisa os linguistas variacionistas perdem por não investigar esse aspecto aqui no Tocantins! Já estou contribuindo com eles se tiverem a felicidade de ler minha croniquinha.
Mas até hoje ainda me surpreendo com a surpresa das pessoas pelo meu uso do TU. A surpresa, a bem da verdade, não é porque uso o tu, mas sim porque o uso flexionando o verbo, como meu pai e professores impuseram na nossa educação submissa à gramática tradicional opressiva, cuja conotação ideológica à época era de libertária, assim chantageava-se o alunado para que a observasse. Que ironia! Hoje me vejo sofrendo ‘preconceito linguístico’ só porque ainda concordo o verbo ao usar o meu tão natural tu, como antigamente me era exigido na escola e em casa. Se ainda não caduco, minha linguagem, aqui, já.