Revelação
O sono acabou ás três horas da madrugada , à hora fatídica dos sortilégios, dos demônios particulares , da angústia pontual e familiar . O quarto, santuário obsequioso de silêncio , de uma paz subitamente perturbadora .O corpo sonolento relutou na sua inércia , antes de sentar – se .
Olha na janela a escuridão da noite , repentinamente benfazeja , impondo-se ás pálidas luzes da rua , num sábado chuvoso , relutante em iniciar . Conhecendo cada centímetro daquele quarto, caminhou lenta e silenciosamente ao longo da cama , preocupado em não perturbar-lhe o dormitar sereno e pacificador. .
Um filete de luz insinuava-se por baixo da porta , até a mesa de cabeceira, iluminando a velha foto de família : seus pais , na praia ,abraçados e sorridentes , a onda quebrando tão branca , tão carícia, a tênue linha de espuma rente aos pés hesitantes de sua mãe,um domingo absoluto, em paz e luminosidade , do distante 1952 .
Contemplou o rosto pacificado e sereno da esposa , os braços cruzados já em pleno sono (como nossos hábitos apegam-se e ficam) , o gris revolto dos cabelos em leque , sobre o travesseiro.
Abriu cuidadosamente a porta do banheiro ,tal as outras portas de sua vida : na surdina educada dos seus gestos de tímido . Fechou a porta , acionou o interruptor da luz,caminhou até a pia e constatou no espelho, ser apenas um velho insone , que despertara de um sonho bom.