Desconectado
DESCONECTADO
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 13.02.13)
Confesso-vos, com um orgulho que não consigo bem dissimular, que desde sexta-feira ando desligado do mundo. Quero dizer, desde sexta, quando enfrentei com o Tibi Laus uma maratona das 14 às 2 manhã, mal parando para um lanche à noite, em respeito ao dinheiro público vindo de um contrato temporário assinado com o Ministério da Cultura, até esta segunda de Carnaval, oportunidade em que vos escrevo esta crônica de Cinzas.
Desliguei-me para poder escrever, ou para tentar escrever uma novela, tarefa que não se mostra (que nunca se mostrou) nada fácil. Não, a dificuldade anotada aí atrás não se trata das dores e dos bloqueios inerentes ao ato de escrever, a dificuldade é desligar mesmo. Imbuído dessa determinação há precisamente uma semana, quando, no dia 4, dei início ao texto, isso não me impediu de ver-me forçado a passar uma tarde inteira em profícua e agradável conversa no bairro da Barra do Aririú, na Palhoça, e a noite do mesmo dia entre pizzas e novas conversas igualmente instrutivas na Pedra Branca, da mesma Palhoça. Ou seja: o difícil não é escrever, mas arranjar o tempo e o necessário retiro para tanto, especialmente quando se projeta uma obra de fôlego apenas um pouquinho maior do que a crônica ou o conto, como a novela.
E antes que dois ou três me perguntem, como sempre fazem, se é na Globo e em qual horário vai passar, quero deixar solenemente claro que novela é um gênero literário, enquanto a telenovela é coisa completamente diferente e não tem nada a ver com literatura. Não estamos aqui falando de dinheiro, embora minha intenção mais secreta seja dar à luz o meu primeiro "best seller", vocês verão (nem que seja no verão europeu, digamos assim).
Quando vos digo que me desliguei do mundo vos digo que não acessei internet, não liguei televisão, não ouvi rádio, não fui à Ressacada (mesmo porque o Avaí não joga neste imenso feriadão), não telefonei nem fui telefonado, não teclei um "enter" que fosse no celular (que, aliás, ridiculamente ultrapassado que é, de avançado apenas recebe e envia mensagens de texto - e nem isso com ele eu fiz -, não tem nada disso de entrar em redes sociais e páginas eletrônicas). Pra vos ser bem sincero, embora correndo o risco enorme de passar por descarado mentiroso, sequer liguei meu computador, sequer na sua função mais prosaica de máquina de escrever, posto que tudo que escrevi escrevi à mão, letra por letra desenhada no papel, consumindo na tarefa três canetas importadas de ponta em esfera metálica e tinta líquida ou gelatinosa.
No entanto, saí para a minha caminhada habitual nesta segunda de manhã, coisa que não fazia desde quarta a fim de deixar um pouquinho mais de tempo para a novela, e fui abordado apenas por um ciclista com cara de universitário que disse desconhecer o lugar e queria saber como chegar na Penitenciária. Ignoro se levaria na mochila às costas algum sortimento de celulares, baterias e carregadores, artefatos tão úteis para mandar tocar fogo em ônibus e carros estacionados na sede do governo estadual.
Ao chegar, a Vitória me aborda:
- O Papa, soubeste?
- Não, não soube nada. Morreu, é isso? De qualquer forma, ele foi eleito para durar dois ou três anos e passou muito do prazo.
- Não, vai renunciar. No dia 28.
- Meu Deus! - exclamei. - E se calha de ele morrer dia 27, como fica a situação?
De qualquer forma, mesmo desconectado parece-me que sou talvez o primeiro cronista semanal a registrar a renúncia papal. O mundo, definitivamente, não nos deixa em paz.
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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.
"Enquanto não fabricarmos nossa própria mecha e nossa própria pólvora, enquanto não adquirirmos uma consciência visceral da necessidade de nossa própria explosão, de nosso próprio fogo, nada será profundo, verdadeiro, legítimo, tudo será uma simples casca, como agora é casquinha, só casquinha, nossa tão apregoada democracia. E se nossos próceres, incluído seu avô, podem dizer impunemente que têm as mãos limpas, isso só se deve a que nosso conceito de higiene política deixa muito a desejar."
Mario Benedetti, Gracias por el Fuego.