Gulosos também no Vaticano
A gula, aquele desejo insatisfazível por comida e bebida, como todos sabem, é um pecado capital, mas não estou nem aí. Quando me vem a vontade, como e bebo sem a preocupação de está pecando.
Comer é a coisa melhor do mundo. Com certeza, você, meu distinto leitor, não vai concordar comigo, e dirá que existe "coisa" muito melhor. Respeito.
Gostos e cores não se discutem. Frei Paulo Kleinken, meu rigoroso professor no seminário, lá pelos anos 1950, já me dizia isso em latim: De gustibus et coloribus non est disputandum.
Prosseguindo. Meu estimado amigo, talvez por isso eu não aceite, pacificamente, aquela antiga história, segundo a qual, a gente deve "tomar café como um rei, almoçar como um príncipe, e jantar como um mendigo".
Aliás, um regime alimentar que muitos juram cumprir, mas, em verdade, mentem: diante de uma reforçada feijoada ou de uma caprichada panelada (êta prato gostoso, lá do meu Ceará!) capitulam inapelavelmente, covardemente.
Tens aqui o depoimento de um abdomínico (arre!) que, de acordo com avaliação recente, tem seu nível de colesterol (LDL) de deixar preocupada sua cuidadosa e competente médica.
Depoimento que, com absoluta certeza, não será levado a sério, mormente pelo pessoal que frequenta o Vigilante do Peso e por aqueles que tomam café como um rei, almoçam como um prícipe, e jantam como um mendigo. Eu, hein?
*** *** ***
Hoje, Quarta-feira de Cinzas, começa a Quaresma; tempo de penitência e de comer menos. Em distantes eras, tempo de jejum e de abstinência.
Fui de uma época em que não jejuar - jejum bíblico - comer um rosbife ou um mísero chupa-molho durante a Quaresma era jogar-se, de corpo e alma, nas profundezas do inferno!
E só através de uma confissão auricular (ainda não existia a tal confissão comunitária) o católico desobediente podia se livrar das garras do capeta, de rabo longo e espeto nas mãos.
Ainda bem que o conceito de jejum e abstinência foi providencialmente abrandado pela Santa Madre Igreja, deixando, uma coisa e a outra, de ser obrigatório.
*** *** ***
Muito bem. Procurei nas livrarias de Salvador um bom livro para atravessar a Quaresma lendo. Encontrei A Infância de Jesus, de Joseph Ratzinger, nosso Bento 16. É o terceiro da trilogia Jesus de Nazaré. Curioso, iniciei imediatamente a sua leitura; antes da Quarta de cinzas. Em poucos dias, devorei-o; lia-o até altas horas da noite.
Sem sombra de dúvida, um livro surpreendente. Diferente de todos os que, até a presente data, consegui ler sobre o nascimento do Profeta de Nazaré. É recheado de inesperados conceitos filosóficos e teológicos.
Vejam. Bento 16 comenta a visita de Melchior, Baltazar e Gaspar, os magos, ao Deus-menino, na gruta de Belém. Transcreve Mateus 2,11 - "Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se, adoraram-no".
Em seguida, faz esta ousada, porém, oportuna observação: "Nessa frase, surpreende o fato de faltar São José, de cujo ponto de vista Mateus escreveu a narrativa da infância; durante a adoração, encontramos junto de Jesus só "Maria, sua mãe". E frisa o Teólogo Ratzinger: "Até agora não encontrei uma explicação plenamente convincente para isso." Nem eu, Santidade.
*** *** ***
Procurei, então, outro livro, com o mesmo objetivo, ou seja, ler durante a Quarema.
Na se assuste o meu estimado amigo com o que vou lhe dizer, na manhã desta Quarta-feira de Cinzas. Assunte só: comprei um livro que, a rigor, não é para ser lido na Quaresma, a partir do seu título, que é este: Os pecados do Vaticano - Soberba, Avareza, Luxúria, Pedofilia: os escândalos e os segredos da Igreja Católica.
Pecados que, de acordo com o autor, o escritor, poeta, vaticanista Claudio Rendina, teriam sido praticados por alguns Pontífices, ao longo da sempre questionada história do papado.
Em respeito ao tempo litúrgico que hoje se inicia, não farei quaisquer comentários sobre os papas que, diz o livro de Rendina, foram soberbos, avaros, pedófilos, ou se deixaram dominar pela Luxúria.
Estaria, com certeza, ferindo a sensibilidade daqueles que ainda acreditam que o papa é o representante de Cristo no planeta Terra.
*** *** ***
Num capítulo rico em detalhes, datas e horas, o autor de Os Pecados do Vaticano fala dos papas que se renderam "aos prazeres da gula".
Discorrer, aqui, sobre cada um deles, tornaria esta crônica mais longa do que já está, entediando, certamente, os poucos que me dão a satisfação de visitar minhas modestas páginas.
Mas entre outros, Claudio Rendina aponta estes: Simão Pedro (30-67); Gregório Mágno (590-604); Martinho IV (1281-1285); Pio II (1458-1464); Júlio III (1550-1555); Inocêncio XI (1676-1689. E, no século 20, João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1978).
*Gregório Mágno, por exemplo, teria sido "um grande bebedor de vinho"; e um comedor exagerado de cerejas.
*Martinho IV, louco por enguias, que, "segundo a lenda, lhe teriam causado a morte por indigestão." Bebia sem modos nem medida. E quando estava bem pálido, dizia: "Oh! Santo Deus, quanto estamos sofrendo pela Santa Igreja de Deus."
*Interessante o que aconteceu com Júlio III. Gostava de cebola. Mas seu prato preferido era "pavão recheado e assado." Certa feita comeu a metade de um pavão e guardou a outra metade para a janta.
À noite descobriu que os garçons haviam comido o resto do pavão. Júlio ficou p. da vida. E aos seus familiares, que lhe pedia calma, respondeu: "Se Deus se zangou tanto porque Adão comeu uma maçã, não poderei eu, como seu vigário, inquietar-me com que comeu o pavão?".
*João XXIII adorava polenta e verduras.
*Paulo VI adorava polenta e andorinha. Além de "enroladinhos de vitelo recheado com presunto cru e queijo parmesão, refogados na manteiga e no vinho branco."
Outros causos sobre a gula papal - de provocar risadas -, o livro conta.
*** *** ***
Rendina mostra a intemperança e a farra gastronômica de alguns Pontífices (é longo o capítulo) e recorda, o que todo mudo sabe: que o cardápio de Jesus, um pobre, era modesto. Para saciar a fome dos seus seguidores, teve que, em duas oportunidade, recorrer ao milagre, conforme mostram os Evangelistas Marcos e Mateus.
*** *** ***
Me perdoem pelo que vou dizer: não vislumbrei, no menu dos papas apontados por Rendina, pratos que denunciassem a gulodice desses insignes Servos de Deus; ainda que eles os repetissem quantas vezes desejassem.
Mas, afinal, quem sou eu para, depois de me haver declarado, publicamente, um emérito glutão, chamar um papa de guloso...
A gula, aquele desejo insatisfazível por comida e bebida, como todos sabem, é um pecado capital, mas não estou nem aí. Quando me vem a vontade, como e bebo sem a preocupação de está pecando.
Comer é a coisa melhor do mundo. Com certeza, você, meu distinto leitor, não vai concordar comigo, e dirá que existe "coisa" muito melhor. Respeito.
Gostos e cores não se discutem. Frei Paulo Kleinken, meu rigoroso professor no seminário, lá pelos anos 1950, já me dizia isso em latim: De gustibus et coloribus non est disputandum.
Prosseguindo. Meu estimado amigo, talvez por isso eu não aceite, pacificamente, aquela antiga história, segundo a qual, a gente deve "tomar café como um rei, almoçar como um príncipe, e jantar como um mendigo".
Aliás, um regime alimentar que muitos juram cumprir, mas, em verdade, mentem: diante de uma reforçada feijoada ou de uma caprichada panelada (êta prato gostoso, lá do meu Ceará!) capitulam inapelavelmente, covardemente.
Tens aqui o depoimento de um abdomínico (arre!) que, de acordo com avaliação recente, tem seu nível de colesterol (LDL) de deixar preocupada sua cuidadosa e competente médica.
Depoimento que, com absoluta certeza, não será levado a sério, mormente pelo pessoal que frequenta o Vigilante do Peso e por aqueles que tomam café como um rei, almoçam como um prícipe, e jantam como um mendigo. Eu, hein?
*** *** ***
Hoje, Quarta-feira de Cinzas, começa a Quaresma; tempo de penitência e de comer menos. Em distantes eras, tempo de jejum e de abstinência.
Fui de uma época em que não jejuar - jejum bíblico - comer um rosbife ou um mísero chupa-molho durante a Quaresma era jogar-se, de corpo e alma, nas profundezas do inferno!
E só através de uma confissão auricular (ainda não existia a tal confissão comunitária) o católico desobediente podia se livrar das garras do capeta, de rabo longo e espeto nas mãos.
Ainda bem que o conceito de jejum e abstinência foi providencialmente abrandado pela Santa Madre Igreja, deixando, uma coisa e a outra, de ser obrigatório.
*** *** ***
Muito bem. Procurei nas livrarias de Salvador um bom livro para atravessar a Quaresma lendo. Encontrei A Infância de Jesus, de Joseph Ratzinger, nosso Bento 16. É o terceiro da trilogia Jesus de Nazaré. Curioso, iniciei imediatamente a sua leitura; antes da Quarta de cinzas. Em poucos dias, devorei-o; lia-o até altas horas da noite.
Sem sombra de dúvida, um livro surpreendente. Diferente de todos os que, até a presente data, consegui ler sobre o nascimento do Profeta de Nazaré. É recheado de inesperados conceitos filosóficos e teológicos.
Vejam. Bento 16 comenta a visita de Melchior, Baltazar e Gaspar, os magos, ao Deus-menino, na gruta de Belém. Transcreve Mateus 2,11 - "Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se, adoraram-no".
Em seguida, faz esta ousada, porém, oportuna observação: "Nessa frase, surpreende o fato de faltar São José, de cujo ponto de vista Mateus escreveu a narrativa da infância; durante a adoração, encontramos junto de Jesus só "Maria, sua mãe". E frisa o Teólogo Ratzinger: "Até agora não encontrei uma explicação plenamente convincente para isso." Nem eu, Santidade.
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Procurei, então, outro livro, com o mesmo objetivo, ou seja, ler durante a Quarema.
Na se assuste o meu estimado amigo com o que vou lhe dizer, na manhã desta Quarta-feira de Cinzas. Assunte só: comprei um livro que, a rigor, não é para ser lido na Quaresma, a partir do seu título, que é este: Os pecados do Vaticano - Soberba, Avareza, Luxúria, Pedofilia: os escândalos e os segredos da Igreja Católica.
Pecados que, de acordo com o autor, o escritor, poeta, vaticanista Claudio Rendina, teriam sido praticados por alguns Pontífices, ao longo da sempre questionada história do papado.
Em respeito ao tempo litúrgico que hoje se inicia, não farei quaisquer comentários sobre os papas que, diz o livro de Rendina, foram soberbos, avaros, pedófilos, ou se deixaram dominar pela Luxúria.
Estaria, com certeza, ferindo a sensibilidade daqueles que ainda acreditam que o papa é o representante de Cristo no planeta Terra.
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Num capítulo rico em detalhes, datas e horas, o autor de Os Pecados do Vaticano fala dos papas que se renderam "aos prazeres da gula".
Discorrer, aqui, sobre cada um deles, tornaria esta crônica mais longa do que já está, entediando, certamente, os poucos que me dão a satisfação de visitar minhas modestas páginas.
Mas entre outros, Claudio Rendina aponta estes: Simão Pedro (30-67); Gregório Mágno (590-604); Martinho IV (1281-1285); Pio II (1458-1464); Júlio III (1550-1555); Inocêncio XI (1676-1689. E, no século 20, João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1978).
*Gregório Mágno, por exemplo, teria sido "um grande bebedor de vinho"; e um comedor exagerado de cerejas.
*Martinho IV, louco por enguias, que, "segundo a lenda, lhe teriam causado a morte por indigestão." Bebia sem modos nem medida. E quando estava bem pálido, dizia: "Oh! Santo Deus, quanto estamos sofrendo pela Santa Igreja de Deus."
*Interessante o que aconteceu com Júlio III. Gostava de cebola. Mas seu prato preferido era "pavão recheado e assado." Certa feita comeu a metade de um pavão e guardou a outra metade para a janta.
À noite descobriu que os garçons haviam comido o resto do pavão. Júlio ficou p. da vida. E aos seus familiares, que lhe pedia calma, respondeu: "Se Deus se zangou tanto porque Adão comeu uma maçã, não poderei eu, como seu vigário, inquietar-me com que comeu o pavão?".
*João XXIII adorava polenta e verduras.
*Paulo VI adorava polenta e andorinha. Além de "enroladinhos de vitelo recheado com presunto cru e queijo parmesão, refogados na manteiga e no vinho branco."
Outros causos sobre a gula papal - de provocar risadas -, o livro conta.
*** *** ***
Rendina mostra a intemperança e a farra gastronômica de alguns Pontífices (é longo o capítulo) e recorda, o que todo mudo sabe: que o cardápio de Jesus, um pobre, era modesto. Para saciar a fome dos seus seguidores, teve que, em duas oportunidade, recorrer ao milagre, conforme mostram os Evangelistas Marcos e Mateus.
*** *** ***
Me perdoem pelo que vou dizer: não vislumbrei, no menu dos papas apontados por Rendina, pratos que denunciassem a gulodice desses insignes Servos de Deus; ainda que eles os repetissem quantas vezes desejassem.
Mas, afinal, quem sou eu para, depois de me haver declarado, publicamente, um emérito glutão, chamar um papa de guloso...