VÍTIMAS DA INDIFERENÇA

Escrever sobre a vida parece ser uma tarefa fácil e prazerosa como um simples banho na chuva, como dormir agarradinho com a pessoa amada e, também, beijar pela primeira vez. Mas fotografar por meio de palavras tudo aquilo que vemos e sentimos é uma tarefa árdua e sofrida, ainda mais quando você se torna um mero observador de tudo aquilo que te faz sofrer.

Certa vez, ao passar, como de costume, por uma das ruas mais movimentadas de Belém, verifiquei que as pessoas iam e vinham constantemente, os carros buzinavam, o trânsito tornava-se cada vez mais caótico, buzinas, gritos de ambulantes para vender suas mercadorias, era um corre-corre infernal; as lojas, aos gritos, disputavam os clientes, crianças chorando, talvez, por causa daquela agitação louca, todos pressionados pelo tempo não paravam para observar minuciosamente aquela avenida, confesso que nem eu, que passava todo dia por ali de volta pra casa, nunca tinha parado para prestar atenção nas peculiaridades daquele local.

Passando por lá, certa vez, por volta de meio dia, percebi que aquela agitada avenida possuía um monumento que há anos vivia ali, mas nunca eu tinha parado e prestado atenção nele, talvez, pela correria que é meu dia-a-dia.

Aquela obra ficava exposta ao sol, à chuva, à poluição, à indiferença de gente que a todo instante passava por ali e não se dava conta de que aquele “patrimônio” é um construto social. Essa obra se fixava na esquina desta avenida. O monumento, Meu Deus, era um homem, que passava fome, sede e se arrastava na vida com as migalhas de comidas que sobravam dos pratos de um restaurante que ficava bem próximo dali.

Comecei a notá-lo quando ao passar por ali vi que o tempo estava destruindo, pouco a pouco, o restante de vida que aquele homem parecia ter. Respirava com dificuldades, as pernas inchadas já não permitiam que aquele pobre esquecido se movimentasse, a não ser para catar os restos de comida do lixo; restava-lhe apenas a esperança de que alguém o notasse e lhe desse ao menos um copo d’água. Seus olhos refletiam fome, sede, desespero e abandono. Nessas condições, sua luta, mas do que nunca, era pela sobrevivência, que a cada dia encurtava-se mais.

A pele de seu corpo, de tão suja e mal tratada pelo sol e pela chuva, era tomada por feridas que serviam de alimento para uns vermezinhos que comiam pouco a pouco aquele infeliz homem que já não tinha mais forças para lutar pela vida.

Na véspera de natal, após dias sem passar por aquele local, onde se fixava o coitado, voltei a vê-lo e constatei uma triste cena no exato momento em que eu por ali passava. Anoitecia, quando aquele infeliz, maltratado pela vida, agonizava, sem que fosse notado e socorrido por alguém. Tentei descer do ônibus para ver se poderia fazer alguma coisa por aquele infeliz, mas antes mesmo de o motorista abrir a porta o triste morador de rua deu o seu último suspiro na frente de tantas pessoas que o olhavam como um rato podre, como um animal sendo comido pelos vermes, parecendo que a única coisa que sentiam ao olhar aquele talvez cidadão era nojo.

E a avenida? Ah! Essa não parou, porque aquelas pessoas empolgadas com as compras de natal não se deram conta de que ali morrera um homem; permaneceram, como sempre, indiferentes a tudo que acontecia naquela avenida, sem perceber que ela já não era mais a mesma. Ser egoísta e indiferente parece ser o lema dessa sociedade capitalista.

É!!! Infelizmente, é assim que caminha a sociedade. Cabe a nós tentar mudar essa triste realidade, caso contrário, a próxima vítima da indiferença poderá ser qualquer um de nós.

(Éder Soares)

Eder Soares
Enviado por Eder Soares em 12/02/2013
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