As águas de março

Faz um mês que não cai uma gota de chuva no Rio de Janeiro, como se estivéssemos vivendo dentro de uma bolha de secura. Ontem São Paulo se viu castigada pelas águas, inundada em questão de minutos. Alguém amarrou o carro a um muro esperando ancorar o seu navio sem velas. Isso é, o automóvel também tem as velas de ignição, mas a função é outra.

Temos medo que toda a chuva que não caiu, agora que estamos em março, desabe subitamente, transformando as águas de março que fecham o verão em tragédia que vai fechar a vida de muita gente.

Áreas de risco existem aos montes, muitas casas e barracos que se sustentam milagrosamente nas encostas de morros e que podem virar “bola de lama” a qualquer minuto. Uma grande tragédia se anuncia, acrescentando mais um ingrediente à nossa sofrida cidade e a todo o estado. Depois das águas, a dengue, que já vai mostrando as suas garras em outros estados, uma epidemia está começando.

E ficamos torcendo para que a destruição anunciada não venha a ocorrer. O povo já tem muitos problemas, principalmente o povo que mora nas favelas, que se constituem nas principais áreas de risco.

Não cabe, aqui, fazer um histórico sobre a formação das favelas, mas é, de fato, irônico que a sua origem esteja indelevelmente ligada à campanha contra a febre amarela e as pestes, feita no início do século vinte, sob a direção de Osvaldo Cruz. Foi ali, naquele momento, que se definiu o futuro. Os cortiços do centro da cidade foram demolidos e o povo, expulso sem qualquer planejamento não teve outra alternativa senão construir barracos nos morros. O Rio de Janeiro foi saneado, mas os graves problemas de saúde e de segurança pública foram varridos para debaixo do tapete (ou para cima dos morros).

Hoje, novamente, estamos às voltas com as epidemias, com a violência, com os desmoronamentos previsíveis. E sem planos. Não há tapete para esconder os problemas. O que subiu o morro em 1908, está agora voltando ao asfalto, em 2007. E nem precisa de uma chuva muito forte.