CERVEJATERAPIA

Há tempos que ele estava sentindo dores nos rins. Certa feita, reclamava tanto das dores, que a esposa pensara que estava exagerando. Ficava pelos cantos macambúzio, feições constritas e gemia que dava dó. Dizia ser indescritível o nível das dores, que dava vontade de se enfiar debaixo da cama, subir pelas paredes ou se atirar pela janela.

Levado ao hospital, tomara injeção de baralgin no músculo e buscopan na veia, atendido que fora na área de urgência/emergência. Aos poucos, as dores iam se amainando, como uma borrasca em alto mar e tudo serenara.

De volta à casa, aliviado, comentava de como as injeções fizeram o efeito desejado, deixando-o mais animado.

Mas, no fundo, no fundo, sabia que algo estava errado dentro dos seus rins. Mas, o médico não lhe pedira qualquer exame, liberando-o “curado”.

Mais uns meses, a final do campeonato nacional de futebol se aproximava e seu clube do coração seria um dos finalistas. Seu “Mengão” era o favorito, contra o São Paulo e o jogo estava marcado para o próximo domingo, no “Maraca”.

Estava contando os dias e as horas para a grande decisão. Não poderia ir até ao Rio de Janeiro, conferir de perto, mas, com certeza estaria diante da TV assistindo e torcendo.

Sábado, véspera do jogo, pela manhã, acordou com uma leve dorzinha do lado. Nem ligou para ela, nem se ligou o que poderia ser. Durante o dia, a dor, do lado esquerdo aumentara de intensidade e à tardinha já era uma preocupação. Só podia ser a pedrinha no rim, que movimentara. À noite, já não aguentando mais, já “rolando pelo chão”, suando frio, não viu outra alternativa senão ser levado à Santa Casa para o tratamento de choque. Pensou: – duas injeções, uma no músculo e outra na veia e estaria bom para voltar para a casa, dormir um bom sono e curtir o futebol na TV, calmamente, vendo seu “Mengão Campeão”.

Não foi bem assim que aconteceu. Lá na Santa Casa, estava de plantão um médico urologista que examinando sua fixa, recomendou sua internação para exames, não sem antes mandar o atendente aplicar as injeções regulamentares “in casu”.

Acabrunhado, sob intensas ondas/espasmos, de dor, ainda argumentou com o médico que não ficaria internado e que as dores passando, queria a alta hospitalar,etc…

O medicou prescreveu os exames de urografia e sangue e se afastou sorrindo. Ele, o pobre coitado, encolhendo-se de dor, foi levado ao quarto, acompanhado pela esposa, que a tudo testemunhava. Passou a noite em dores, mesmo após as injeções e na manhã de domingo já estava se submetendo aos exames para que o médico, um equatoriano, ou boliviano, sei lá, o plantonista, pudesse avaliar melhor todo o quadro.

Lá pelo meio-dia, o médico passou a visita, tendo em mãos os resultados dos exames e indo até à cama, mostrou ao casal a causa de tanta dor. Um cálculo (pedra) de tamanho respeitável, que estava quase saindo do rim e entrando no ureter. Mesmo com o soro ligado, que gotejava sem parar, parece que não conseguiria passar e ser expelido. Mesmo assim, dizia ele ao casal:

- Vou passar amanhã cedo para ver a evolução. Continuaremos com o soro e injeções para aliviar as dores. Se eu chegar e continuar do mesmo jeito, ele vai para a cirurgia. Vamos abrir e retirar o cálculo.

Sentindo a aflição de ambos, com a “ameaça de operar”, continuou: – Como está não pode ficar. E, já saindo pela porta do quarto, ainda virando-se, completou: – “Só tomando bastante cerveja é que resolveria”. E saiu sorrindo com seu sarcasmo.

A mulher, matutando com o marido, que até se esquecera do futebol e do seu “Mengão”, com tamanha confusão de dores, exames e mais essa “Espada de Dâmocles” pendente sobre o pescoço, lhe propôs o seguinte: – Olha, e se você tomasse uma cerveja? Com o soro e mais a cerveja, faria mais pressão e talvez expulsasse a pedra! O que você acha?

Ele, pensou: – “Perdido por um, perdido por dez” Já perdi o final do campeonato mesmo, a dor não passou, nem com as injeções, a pedra é grande e esse “sorozinho vagabundo” parece que não tem pressão bastante. Falou para a esposa que topava, mesmo não sendo um contumaz bebedor da “amarelinha espumante” e nem estar com vontade. Poderia ir até lá embaixo, na Cantina da Santa Casa e comprar uma garrafa de cerveja.

Ela, incontinenti, nem pensou, pegou sua bolsa e saiu pela porta. Demorou um pouco e chegou “esbaforida”, com uma sacola encoberta pela blusa de onde sacou, não uma, mas duas garrafas de cerveja, geladinhas e contou suas peripécias: – Lá na Cantina me perguntaram qual marca queria: A número Um, aquela que desce redondo, aquela dos pinguins, a do Imperador, ou…ao passo que respondi, dizia ela, qualquer uma serve, desde que esteja geladinha, sem mais perguntas, tenho pressa…

- Tudo bem, agora, você bebe devagarzinho, que vou tomar conta da porta, para ninguém entrar.

- Devagarzinho, nada, vou é tomar direto na garrafa, disse o “sofredor”, que quase num gole esvaziou a garrafa, devolvendo-a vazia à esposa, que de imediato lhe entregou a outra garrafa para beber.

Agora é que a “porca torce o rabo”, pensou ele. Não consigo beber mais nada, não cabe, lamuriou à mulher. Ela, pegando dois copos, deu um a ele e pegando o outro, lhe disse para tentar beber um pouco mais, no copo. Ela lhe faria companhia. Daria “uma força”. Assim, nosso “bebedor honorário” conseguiu fazer descer “quadrado”, mais dois copos “do remédio”, fazendo caretas e dando intervalos entre os goles.

Pronto, já passara das dezenove horas daquele domingo fatídico e sua final de campeonato já teria ido “pras cucuia”. Nem se lembrara de perguntar o resultado do jogo, em vista do “perrengue” que estava passando.

Lá pelas 20:00 horas, a bexiga já saturada de líquidos, pedia socorro. Nosso herói sofredor-bebedor, imóvel na cama, aguentava o máximo de tempo. Pensava assim: Quanto mais tempo eu aguentar, melhor, vai dar mais pressão!

20:30, já sentindo como que um balão entre as pernas, quase urinando no pijama, pediu à esposa um penico branco de alça preta, que estava sob a cama e ambos o equilibrando na escadinha, que usava para descer/subir na cama, baixou as calças e ainda tentando retardar a urinada, enfim soltou o jato potente que bateu no fundo do penico, espirrando gotículas pra todo lado. Quando ouviram um retinir que soou como música para seus ouvidos, batendo na lateral do penico. Não conseguiu parar de urinar e prosseguiu até quase transbordar o recipiente. Cansado e com as pernas bambas, mas aliviado, acompanhou a mulher quando ela despejava a urina avermelhada, no “periquito” e conferiram, lá no fundo, aninhado numa “areinha”, a pedrinha que tanto o fizera sofrer. Com um pedaço de papel higiênico, recolheram a “maledeta” e a embrulharam num guardanapo do papel branco.

Olharam um para o outro e num misto de risos e choro se abraçaram por longo tempo. O enfermeiro os encontrou assim e perguntou a razão daquela comemoração e eles, com medo de represálias, somente contaram meia-verdade. Com o soro, ele conseguiu expelir a pedra. E ele compartilhou da alegria do casal, mas disse não poder retirar o soro, pois que somente o médico tinha tal prerrogativa.

O dia seguinte custou a chegar e o médico, este sim, chegou bem cedo, preparado para a cirurgia. Entrou no quarto e foi logo perguntando como passaram a noite, e, … sem deixá-lo prosseguir, o “impaciente” paciente buscou a preciosidade e mostrando-a ao urologista, perguntou: – Dr., esta é a pedra que viu no exame? Ele curioso, pegou o embrulhinho e remexendo o conteúdo de um lado para o outro, falou: – Puxa vida, é bem grande mesmo e tem a forma de uma estrela. Deve ter saído rolando e ferindo ureteres e uretra, não é?

- Isso mesmo, Doutor, saiu até um filetizinho de sangue, junto à urina…

Ele, o médico, então falou que o paciente tivera muita sorte em expelir a pedra. Chegara ao hospital pronto para abrir o rim e retirar “in loco” a pedra e tivera a grata surpresa de encontrar tal inusitada situação. Mandou retirar o soro, suspender a medicação e assinou a alta, receitando remédio para dor, se necessitasse e que mandasse à exame a estrelada pedra.Tudo isso sem que soubesse da “Cervejaterapia” aplicada.

“BENDITO SEJA, BENDITO SEJA, O ALEMÃO QUE INVENTOU A CERV

(Gambrinus)

é o padroeiro não-oficial da cerveja e dos cervejeiros. A igreja não o reconhece, mas se quiser acender uma vela em agradecimento, o dia do santo é 11 de abril.