O DIA EM QUE O CÉU CHOROU

Era um senhor de meia idade. Um morador de rua da pequena cidade onde vivi minha infância. Aparentava ser mais jovem ter baixa estatura e uma compleição física que demonstrava certa fragilidade.

Isso era só na aparência, pois, quando tomava umas doses de cachaça, ficava animado e dando cambalhotas que divertiam toda criançada. Juntava gente para vê-lo dar seu espetáculo insólito.

Todo dia a dose se repetia, mas ninguém abusava porque ele, no auge da sua alegria, movida à aguardente, novos números inventava. Ninguém sabia dizer se era ator ou palhaço, mas ninguém também ligava para a classificação daquela arte surgida da embriaguez daquele pobre homem. Paupérrimo de bens materiais, porém rico de satisfação em fazer sorrir a criançada.

Seu nome? Não lembro, mas do apelido sei bem. Zé Pretinho, numa clara alusão ao fato de ser pequenino e de pele escura. Nunca se importou de ser chamado assim e, talvez por isso, tenha obtido tanta ternura em torno de si, pelo menos da parte da meninada que acompanhava suas peripécias pelas ruas da cidade.

Quantas vezes eu parei pelo caminho ao avistar um grande círculo formado perto da praça e, quando ia olhar, lá estava Zé Pretinho fazendo graça. Era um espetáculo que superava os que eram apresentados pelos circos em visita à pequenina cidade.

A rotina prosseguia e o sossego daquela vidinha era usufruído pelos moradores. As conversas na calçada, os bate-papos nas esquinas, os cochichos das comadres, tudo virava notícia.

Um dia desses veio a informação indesejada por muita gente. Zé Pretinho havia sido encontrado morto, estirado em uma calçada da velha usina desativada. As pessoas, de início, não sabiam dizer o que tinha acontecido com aquele zé que tinha mais alegria do que cor. Quando eu soube saí de casa às pressas para saber mais detalhes do acontecido.

Era uma tarde com o céu coberto por um denso nevoeiro. Imagem muito rara de se ver em plena seca que assolava a região central do estado. Parecia que tudo corroborava para conferir um clima de tristeza à cidade que acabara de perder o mais desprendido dos seus cidadãos.

Caminhei a esmo e encontrei vários grupos de pessoas que conversavam sobre a tragédia ocorrida. Sim foi um acontecimento trágico, pois, segundo o que pude apurar, Zé Pretinho fora encontrado ao lado de uma garrafa, ainda meada, com um rótulo da cachaça mais afamada da região. Na verdade, a marca estava correta, mas o conteúdo não. Haviam trocado cachaça por álcool metanol e o pobre, após tomar alguns goles, morreu ali mesmo.

O povo se reuniu, o prefeito doou o caixão e o sepultamento daquele pária da sociedade teve uma grande afluência da população. Em meio ao cotejo fúnebre, uma chuva abateu-se sobre a cidade, dando a impressão para todos que, naquela ocasião, até o céu chorava a morte de Zé Pretinho.