Nada no basquete é trivial
Descobri aqui em Brasília um curioso esporte, que, segundo dizem, já é praticado há algum tempo pelos negros norte-americanos. Consiste, basicamente, em arremessar uma bola dentro de um cesto. Isso significa que não há gol, o que causa certo estranhamento de início. Ainda assim, resolvi arriscar e acompanhar uma partida ao vivo.
É preciso dizer que aqui em Brasília quase ninguém vê futebol ao vivo. Assim como na minha São Bento, todo mundo torce para os times do Rio e São Paulo – ou seja, ninguém tem condições de ir ao estádio. Brasiliense e Gama são duas lendas urbanas. Quando morava em Curitiba, eu acompanhava as partidas do Paraná Clube – falem o que quiser do Paraná, mas eu já vi o time jogar a Libertadores e ser campeão no próprio estádio. Pois bem.
Eu estava, portanto, órfão de um time para torcer em Brasília. E de repente, me aparece o basquete. Brasília é simplesmente o atual tricampeão do Novo Basquete Brasil – uma espécie de Campeonato Brasileiro. E como naquele sábado eu não tinha nada pra fazer, e o jogo ainda valia a vice-liderança, decidir ir ao ginásio.
Comprei um quilo de arroz e paguei meio ingresso. Entro no ginásio sem nenhuma apalpadela policial, como acontece nas partidas de futebol. Aliás, não há policiais aqui. Eu teria conseguido entrar com um punhal, uma faca, uma camisa do Flamengo – rival do Brasília. Procuro um lugar e sento. Um DJ anima a torcida, e um animador de torcidas faz o contrário. Os jogadores entram, se aquecem e cantam o Hino Nacional. Todo o ginásio se volta para a bandeira do Brasil – se duvidar, não é assim nem nos quartéis.
Era uma semana após a tragédia de Santa Maria, então havia faixas escandalosas apontando a saída de emergência. O jogo atrasou porque esperavam uma ambulância. Mas logo no começo eu notei o seguinte: a torcida é a mesma do futebol. Canta músicas de incentivo, vaia o adversário, xinga o juiz, chama o craque do outro time de, digamos, homossexual. Também há uma torcida organizada que, como todas as torcidas organizadas, canta mais do que presta atenção no jogo. Talvez fosse porque Brasília estivesse ganhando, mas eu não vi gente da nossa própria torcida torcendo contra, como acontece no futebol.
Eis o que descobri: é mais emocionante do que futebol de campo. Nada do que um sujeito faz numa quadra de basquete é trivial – tudo é transcendente. Todos estão a um passo da enterrada e a outro passo da cesta contra – e houve uma cesta contra. No futebol, o sujeito tem tempo de coçar a cabeça e qualquer outra parte do seu corpo. Pode caminhar em campo. Dar uma arrancada e voltar vagarosamente. No basquete, ele pode fazer a cesta mais fantástica de todas, num contra-ataque fulminante, e ainda assim terá que voltar correndo desesperadamente para o seu próprio campo. O próprio torcedor mal pode tirar o olho da quadra. E há muito mais motivos para se comemorar durante o jogo.
Brasília venceu o jogo com facilidade maior do que a esperada. Eu descobri agora como alimentar nesta cidade a minha ânsia de torcer. E também tem o seguinte: ao contrário do futebol, no basquete eu não tenho a impressão de que poderia fazer melhor do que os jogadores.