Tenho que encontrar alguma coisa que me faça estancar essa maldita lágrima que insiste em não me deixar escrever. Mais um lenço? Resolve nada, já gastei pacotes... Pareço até uma fonte perene. Se ao menos eu estivesse em pleno sertão, ainda aproveitaria, mas estou na maré. Fazer o que se escrever me faz bem, se escrever me deixa mais perto de você que está tão longe.
Já nos dissemos quase tudo, já lhe confidenciei segredos inconfessáveis, já lacrimei por sua ausência. Mas, tem ainda alguma coisa que você não sabe. Vou lhe confessar. Já fui criança... e que criança. Na verdade, acho que meus pais foram sorteados ao me ganhar. Nada tinha das crianças em volta. Era impaciente, elétrica, astuciosa, faceira. Coitadas das freiras que tinham que me aturar. Quase todos os dias, lá ia eu para a diretoria. Não sei por que, mas decerto que elas sabiam. meu boletim, geralmente retido na diretoria e lá ia meu pai resgatá-lo. Fora isso, eu era um amor... bem, nem tanto assim. Aprontava das minhas. Liderava o grupo das bagunceiras. Logo descobri uma maneira de fugir do colégio. Atravessava todo o pátio me escondendo das freiras por trás das colunas. Logo surgia o portão menor por onde entravam as pessoas que trabalhavam no colégio. Liberdade à vista. Perto da hora de terminarem as aulas, fazia o percurso no sentido contrário, e lá estava eu na fila de saída.
Eu sempre era requisitada nas apresentações de teatro do colégio. Fui até santa Bernadete. Já pensou, eu santa... No fim do ano, éposa do pastoril, lá ia eu dançar lapinha. Geralmente eu era o cupido. Duas cores, vermelho e azul. Minha saia era geralmente a mais curta e eu fazia questão de dar umas rodadas na beira do palco para escutar os elogios às minhas pernas roliças. Bem, a verdade é que que crescí, amadurecí, quase envelhecí e não mudei. Nunca entendí que deveria mudar minha postura.
Bem, lhe segredei isso, para que me conheça mais um pouco, já que cada dia que passa lhe abro mais uma página de meu livro para que possamos um dia acabar de escrevê-lo juntos.