O poeta Drummond em minha vida

“ Sei bem que existe o cronista político, o esportivo, o religioso, o econômico, etc. , mas a crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo. Não se exige do cronista geral a informação ou o comentário precisos que cobramos dos outros. O que lhe pedimos é uma espécie de loucura mansa, que desenvolva determinado ponto de vista não ortodoxo e não trivial, e desperte em nós a inclinação para o jogo da fantasia, o absurdo e a vadiação de espírito. Claro que ele deve ser um cara confiável, ainda na divagação. Não se compreende, ou não compreendo, cronista faccioso, que sirva a interesse pessoal ou de grupo, porque a crônica é território livre da imaginação, empenhada em circular entre os acontecimentos do dia, sem procurar influir neles. Fazer mais do que isto seria pretensão descabida de sua parte. Ele sabe que o seu prazo de atuação é limitado: minutos no café da manhã ou à espera do coletivo”. Carlos Drummond de Andrade.

É dentro deste pensamento que me aventuro como cronista. Até porque não sou profunda conhecedora de nenhum assunto para emitir o meu parecer. Mas a loucura mansa de que fala o poeta, faz parte da minha vida e tenho uma convivência bem amigável com ela. Creio que essa vadiação do espírito habita em mim desde os mais tenros anos da minha infância e sempre vagou sem rédeas, livre ao sabor do vento...

Ao falar de Drummond, os registros da memória me transportam ao passado e lembro-me da época em que o conheci. Primeiramente, conheci o Drummond cronista. O poeta foi-me apresentado depois pelo professor Pedro Moreira, quando eu cursava a 6ª série. Dois poemas dele nos foram mostrados: “Tinha uma pedra no meio do caminho...” e “E agora, José? Este último rendeu muitas brincadeiras em minha sala. Criaram até uma paródia com ele. Um colega, de senso crítico mais apurado e brincalhão, escolheu o tímido Vicente para substituir o José drummondiano. Não sei se por ele ter um nome de rima fácil ou por ser um menino bom e bem-humorado, a verdade é que ele teve de exercitar todas essas suas qualidades para suportar a gozação dos colegas. Ouvia-se de tempos em tempos alguém repetindo: “E agora, Vicente? Você está sem dente, amarrado na corrente, vão te dar aguardente...E agora, Vicente?”

O Drummond cronista não me foi apresentado no período em que eu ocupava o banco escolar. A escola, como sempre, segue um currículo e nele só as poesias faziam parte e mesmo assim eram vistas de uma maneira muito superficial. Naquela época, o sistema era mais rigoroso, e ninguém ousava fugir de suas diretrizes. Mas tive o privilégio de ter um tio que era apreciador de suas crônicas e foi através dele que conheci este seu talento.

Em minha casa, a alimentação era orientada para o pouco consumo de sal e gorduras, pois papai e seus irmãos tinham alcançado uma idade, em que estes cuidados eram necessários. Tio João não morava conosco, mas também necessitava dessa dieta. Todos os dias, ele vinha participar das refeições em nossa casa e costumava trazer um recorte do jornal “Estado de Minas” com a crônica de Drummond. Esses recortes passavam de mão em mão, todos liam e gostavam do seu estilo, da sua agudeza de espírito.

Seria impossível imaginar, naqueles tempos, que um dia eu escreveria crônicas e ainda fosse citar trechos de Drummond em uma delas. A vida nos prepara fatos surpreendentes que nos fazem palmilhar estradas desconhecidas. Isto é o que ela tem de melhor. Espero saber transformar em escrita todos esses fatos que me surpreendem em cada esquina da vida.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 11/02/2013
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