A litorina
 
“Eu sou a mosca
Que pousou em sua sopa
Eu sou a mosca
Que pintou prá lhe abusar...”
( Raul Seixas: Mosca Na Sopa)
 
Eu fiquei conhecendo a palavra “litorina” no seminário.O dicionário diz que é um veículo ferroviário com motor próprio e que ao mesmo tempo carrega passageiros. Para nós era uma coisa completamente diferente.
Nosso refeitório era enorme e nos sentávamos em grupos de 8  ou 10 garotos. Não precisa ser um gênio para saber que não tínhamos a mais fina cozinha da região. Claro que eu, criança que era, não era muito exigente. Só queria um feijãozinho com arroz, batata e carne com molho, parecidos talvez, com o que minha mãe fazia. Não me lembro direito do maravilhoso cardápio, mas  tenho certeza de que, se me lembrar, não vou ter saudade. No entanto, me lembro da litorina. Ao contrário do que você possa pensar, a litorina não era uma especiaria do nosso menu. Ou, de certa forma, era. Tínhamos uma sopa de fubá, que por algum motivo técnico, ou logístico, ou mais provavelmente econômico, era um dos nossos pratos mais constantes. Sopa quente enchia o estômago, era eficiente. Voltando à litorina, toda vez a grande panela de sopa vinha com três ou quatro delas: um verme amarelo, anelado, com um comprimento de mais ou menos um centímetro. Era nojento mas no final acabávamos nos acostumando. Tínhamos um “chefe” para cada mesa e ele era o encarregado de pescá-las e colocá-las de lado  antes de passarmos a grande panela  pela mesa. A remoção da litorina, como todo o resto, fazia parte de um ritual.
A litorina ficou para trás, não tenho mais nojo ou raiva dela. Existem coisas mais perigosas do que as litorinas hoje em dia...


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