A despedida
Estava eu em setembro de 1997 na estação de trem Santa Apolônia, em Lisboa, me preparando para uma viagem relâmpago até Madrid.
O motivo da viagem era conseguir a autorização que me deixaria legalizado para trabalhar e viver em Portugal com minha família.
Meu trem chegou à plataforma e logo me preparei para embarcar, meu lugar ficava na janela, onde poderia ficar mais confortável, já que a viagem duraria a noite inteira.
Eram dezenove horas e ainda tínhamos sol forte pois estávamos em pleno verão europeu.
Pois bem, uma cena logo me chamou a atenção:
Um jovem casal estava se despedindo na plataforma, ela, uma bela jovem dos seus vinte e poucos anos, mochila às costas e se preparando para a partida e ele também regulando idade com ela. Eles se beijavam bastante, abraços e mais abraços, havia até um lencinho na mão da princesa, o trem deu o último aviso da partida, eles se abraçaram mais uma vez, um longo beijo, com direito à choro.
Uma cena de novela, pensei:
“Que lindo, um casal verdadeiramente apaixonado e tão jovem, é, o amor existe mesmo...” .
Ela por coincidência sentou-se ao meu lado, era realmente bela, cabelos bem tratados, castanhos até a cintura, sim, formavam um belo casal apaixonado.
Ela se curvou um pouco, invadindo meu espaço para dar tchau e mandar mais beijinhos para ele, que foi ficando na plataforma, o trem partindo, ele ficando mais e mais até sair do alcance daqueles olhos apaixonados.
Ao final disso ela se aconchegou na poltrona, sem se preocupar comigo.
Percebi que dois rapazes chegavam ao nosso vagão, um mais alto, roupa de alpinista, botas, mochilas, roupas de quem estava partindo para uma aventura.
Ele passou por nós e deu uma olhada de alguns segundos para a jovem apaixonada, me chamou a atenção o fato dela também ter retribuído o olhar.
"Estranho", pensei. Mas não liguei, devia ser coisa de jovens, que não resistem a uma bela aparência.
A viagem prosseguiu, mais alguns minutos e reparei que o rapaz estava se virando para trás e olhando a jovem apaixonada com alguma freqüência.
E o que é pior, senti alguma receptividade da jovem.
Aquilo me deixou cismado, será que essa menina, que faz trinta minutos atrás estava chorando por causa do seu amor na plataforma estaria cedendo ao rapaz do trem?
Com aquele barulho dos trilhos e o pequeno balanço do trem, não demorei a pegar no sono.
Lá pelas nove horas da noite acordei e fui procurar o banheiro. A jovem não estava mais ao meu lado, fui para o próximo vagão, onde havia um bar, tamanha foi minha surpresa ao ver a jovem apaixonada sentada ao lado do rapaz alpinista, numa animada conversa.
Não pude evitar um sorriso não sei se achando graça da cena ou rindo da minha inocência inicial, quando admirei aquele casal da plataforma achando que era um belo exemplo de amor sincero.
Pois bem, fui ao banheiro, fiz um lanche rápido no bar. Eles continuavam trocando olhares e sorrisos, numa conversa que não os deixavam ver mais ninguém à sua volta.
Minha fé no amor estava abalada!
Voltei ao meu sono até que finalmente chegamos à capital espanhola.
Pude ver o jovem casal: a apaixonada da plataforma e o jovem alpinista, de mãos dadas, caminhando na minha frente.
Senti pena do camarada que ficou naquela plataforma de Santa Apolônia, mas não pude mais pensar nisso, estava muito preocupado em encontrar o Consulado Português, resolver minhas pendências e retornar à Portugal.
Correu tudo bem, voltei no final da tarde, mas alguma coisa mudou no meu conceito de amor, pelo menos entre os jovens.