A Velha Paineira

A Velha Paineira

No rumo norte, a menos de dez metros, havia uma velha paineira, grande e imponente.

Nos seus grossos, e nodosos galhos ela abrigava muitos ninhos, entre ramos floridos.

Ali eu vi a fêmea do João de Barro guardando os seus ovos, durante a chuva, o calor, e o frio.

Aquilo me fez lembrar a conduta da mulher, que se diz racional e superior, enquanto mata no ventre o filho indefeso.

Então eu tive vergonha de pertencer a esta raça.

Um morador do local, após estacionar o seu carro à sombra da paineira, me comentou sobre a inutilidade daquela árvore, que servia apenas para fazer "sujeira".

Na ingratidão daquele racional, e na indiferença do considerado irracional, eu percebi no seu silêncio, um discurso erudito sobre o perdão.

A velha paineira havia gerado outras paineiras, alinhadas no rumo do poente, o que me fez concluir que havia no local um vento, que soprava naquela direção, levando as sementes.

Logo confirmei sua existência, era a suave e fresca brisa que vinha do leste, nas horas do entardecer.

Naquela tarde de outono, eu me sentei no barranco, do que fora no passado uma sanga.

Entre os entulhos e as ervas, ali fiquei a contemplar a triste clausura daquele regaço, que antes sustentava a vida.

O seu murmúrio parecia um lamento, que aos poucos ia se transformando em gemido.

Lamentei a minha impotência, diante da ignorância e do poder.

Pensei novamente na ingratidão do racional, pensei na vida que anseia apenas por vida.

Pensei naqueles que por ambição destroem a beleza da vida, sem perceber que estão matando a si mesmos, e os que virão depois deles.

Sofistas que sempre explicam tudo o que fazem, e com hipocrisias, apresentam incoerentes, e injustos, motivos para o mal que praticam.

Enquanto na paineira, o João de Barro anunciava o seu retorno a casa, a brisa do leste ia chegando, perfumada pelas flores das Trombetas de Anjo.

Dentro do vale as sombras se alongavam, escondendo lentamente o canal de concreto, a sepultura da sanga.

Um último raio de sol se esquivou entre os ramos, para se derramar no fundo do vale.

Iluminado pela luz difusa, o piso cinzento se fazia tremeluz, lembrando as águas ainda imaculadas, do que foi um dia um lindo riacho.

Por alguns instantes, ainda perdido no meu devaneio, vislumbrei ali a antiga sanga correndo livre, e cristalina.

Vi os lambaris graciosos passeando sobre a areia clara do seu leito.

Vi os barrancos de argila colorida, de onde pendiam longas samambaias.

Nas margens eu vi grandes árvores nativas, enfeitadas com ninhos e cipós floridos.

Ouvi lá do passado, o efêmero dueto do canto dos pássaros, com a melodia das águas.

Enquanto os ramos dançavam ao sabor da brisa mansa, que chegava mesclando o perfume de todas as flores.

Acioly Netto - www.guiadiscover.com

Acioly Netto
Enviado por Acioly Netto em 08/02/2013
Reeditado em 10/07/2024
Código do texto: T4129455
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