VOCÊ CUIDOU DE MIM !
Charles nasceu em Fordlandia, vilarejo que fica no Pará, construída em 1920 por Henry Ford para ser fonte de látex para a indústria automobilística. Por não ter suprido as necessidades de produção, vinte e cinco anos depois foi abandonada. Dona América cuidava de Charles quando ele era bebê. Os pais de Charles, que eram americanos, com o fim do “sonho” de Ford, voltaram aos Estados Unidos quando ele tinha quatorze anos.
O tempo passou, cinquenta e quatro anos depois, Charles volta à Fordlandia, uma cidade fantasma. Onde havia construções, agora só ruínas e muita melancolia nas histórias daqueles que ficaram. Dona América ainda vivia lá quando Charles foi visitar o lugar onde nasceu. Ele a encontrou e disse: “Você cuidou de mim!” E chorou.
Voltar ao lugar onde nascemos significa um encontro com nós mesmos, com a nossa história. É como experimentar a sensação do feto momentos antes do contato com o mundo externo. “A gente continua morando na casa em que nasceu!” Escreveu Mario Quintana. E é isso mesmo, a gente habita dentro da memória que temos desde sempre, desde as primeiras lembranças.
Comete erro aquele que ignora suas raízes e o seu passado; maltrata o espírito aquele que desdenha e maldiz o ninho que o abrigou; fere o coração do amigo a indiferença e o esquecimento daquele que virou a esquina sem uma despedida; suicida-se aquele que alimenta a mágoa, o rancor e despreza a alegria de quem só o quer ver sorrir; perde-se no caminho aquele que não reconhece os cuidados de quem ,um dia, guardou o seu sono com carinho.
O sexagenário Charles ao abraçar a octogenária América, não era só um bebê de fraldas agradecido, era um homem abençoado tendo a oportunidade de olhar para a cara do tempo e perceber que a vida vale muito a pena, que é um consentimento e uma graça, não podemos deixar que ela se perca em palavras mal entendidas e ressentimentos. Assim, dessa forma, a gente consegue um jeito de voltar para casa.
Ricardo Mezavila