Assombração

Histórias assustadoras, horripilantes, de terror existem para nos atemorizar. Por muitas vezes ouvi meus amigos, pais e familiares contando histórias de assombrações. Sempre caçoei destas, disse que não existia fantasma e que, se existissem, eu não teria medo deles, que não oferecem perigo. Meu maior argumento era o ditado: “Não se deve ter medo dos mortos, se deve temer os vivos”. Assim, passei boa parte de minha vida, buscando, incansavelmente, a explicação lógica para cada acontecimento, cada suposta assombração era destrinchada.

Lembro-me perfeitamente bem de um finalzinho de tarde, quase noite, eu estava sozinho no escritório, em minha casa, quando a porta, que eu deixara entreaberta, ameaçou fechar e depois voltou ao estado inicial, olhei rapidamente e deduzi ser o vento que entrava pela janela, ainda sem sentir medo continuei minhas atividades, a porta mexeu novamente, desta vez com mais frequência e com maior amplitude. Incomodado com aquela situação levantei a cabeça e olhei para a janela, pelo reflexo do vidro vi metade do rosto de uma mulher, zangado fui até a porta ver quem teimava em me assolar àquela hora. Quando cheguei, a porta estava no mesmo lugar e não tinha ninguém por lá, devo dizer que imaginei ser obra de uma de minhas irmãs, mas depois eliminei a possibilidade porque o reflexo que eu vira era de alguém morena, procurei na sala e nos demais cômodos da casa, à medida que eu ia concluindo a busca cômodo a cômodo, certa sensação de apreensão, de receio me acometia, fui então até o corredor, era o ultimo lugar no qual alguém poderia ter se escondido, quando não achei ninguém, certo frio passou rapidamente pela minha espinha dorsal, experimentei ali a trepidez nunca antes sentida.

No terraço meus pais conversavam e junto a eles uma de minhas irmãs. A eles disse: - Nunca mais duvido de assombração, acabei de ver uma -. Em seguida descrevi o que acontecera minutos antes, daí por diante todos os barulhos estranhos que se ouvia pela casa pareciam coisa de outro mundo, assombrações apareceram a ‘torta e a direita’, já não se andava tranquilo dentro de casa, os nervos de todos ficaram à flor da pele, porém, havíamos combinado que não contaríamos nada para minha irmã mais nova, uma vez que esta tinha medo para dar e vender. O medo dela era o suficiente para compensar toda a ausência de medo que, antes deste acontecimento, tínhamos.

O medo é mesmo surpreendente, pois depois daquele susto tudo o que eu via a ouvia parecia assustador. Aquela noite foi mais difícil que as demais para dormir, o corpo teimava em ficar se mexendo de um lado para o outro e os olhos insistiam em ficarem abertos, ao mesmo tempo em que os ouvidos pareciam ter se aguçado e tudo o que acontecia na casa eles ouviam.

Na manhã seguinte fomos trabalhar, durante toda a manhã comentamos sobre os acontecimentos e ao final de cada história dizíamos: - A Camila não pode ficar sabendo, porque se isso acontecer é capaz de ela não querer nem entrar em casa.

Quando chegamos, em casa, para almoçar, procuramos nem tocar no assunto. Parecia que a língua de todos nós estava coçando para conversar sobre o assunto, este houvera sido o assunto da manhã e parecia que seria o assunto por bastante tempo. Sempre que começávamos a conversar sobre a assombração que eu vira, olhávamos para todos os lados para nos certificar de que Camila não estava por perto.

Após uma das muitas conversas sobre a assombração vimos Camila se aproximando, ficamos todos parados, sem saber o que dizer, ninguém sabia até que ponto ela tinha ouvido, ou do que ela estava rindo. Como tentativa de mudar de assunto ao mesmo tempo em que disfarçava sobre o que estava falando meu pai disse: - Menina, do que você está rindo?

Ela não respondeu, mas tenho certeza que era de nossas caras. Ela ainda fez certo suspense antes de confessar que houvera ouvido toda a conversa, não sabíamos o que comentar. Cada um fingiu não ter escutado o que ela acabara de dizer e simplesmente mudou de assunto novamente. Camila ria sem parar e não sabíamos mais o que estava acontecendo.

Somente depois de muitas risadas ela disse:

- Já estou sabendo que o João viu ontem um fantasma.

- E você já entrou em casa hoje? – respondemos em coro

- Já sim!

Naquele momento dava para perceber, em nossos rostos, que uma serie de dúvidas inundou nossas mentes, estávamos com cara de bobos.

- Quem mexeu na porta ontem fui eu – ela continuou – Depois, quando vi João vindo em minha direção corri e me escondi atrás dos carros, depois que ele passou voltei para a sala. Imaginei que ele tivesse me visto pelo reflexo no vidro da janela.

Mas como? A mulher que eu vira era morena e você é branca. Depois de muito raciocínio lembrei que a janela é escura e, obviamente, eu a veria escura também.

Passado o susto, pouco nos importamos com o fato de que alguém tivera quebrado o acordo e de que contara tudo à Camila, se quer pensamos em acusar o ‘linguarudo’ (como diria minha avó) apenas rimos de tudo e descobrimos que o maior medo é aquele que nós próprios criamos.