A GARGANTA DOS GALOS

Os galos cantam nos vazios da alvorada mormacenta. Havia pouco, engolia os silêncios entre o sono agitado e o barulho do ventilador de teto. O calor tomou-me durante a noite, empapou os cansaços e o sempre regurgitar de sonhos e lembranças. A poesia soergue-se – mágica – ao luzir dos olhos, no abrir das cortinas. Raios entram pelas frestas da veneziana, anunciando que é hora de fruir a bênção de luzes. O corpo espreguiça memórias noturnas, e com sono, abro a porta do quarto. O sol está dentro de mim e a manhã penetra os poros. O circunstancial de tempo e lugar ainda ressona ilusório sob as pálpebras sonolentas. A noite foi de difíceis ausências e o corpo sentiu tua falta, amada... Doi em mim as sutilezas da prenhez desejada e irrealizada. O acalanto da noite a quase tudo absolveu, e já dorme comigo o amanhã. O segredo é conviver em alegria, mesmo que vivamos mergulhados nos conhecidos temores que nos tiram o espontâneo riso. Na solitude do quarto alça-se o espanto de ser teso na vertical e na horizontal. O som emergido da garganta dos galos é um conluio ao não esquecimento de que devemos estar prontos. É preciso que o dia nos avise do acontecer em sua inesperada natureza: estar-se disponível para o viver.

– Do livro POESIA DE ALCOVA, 2012/15.

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