O ATELIÊ

Pela fresta estreita de janela, uma brisa lança em vôo a densa cortina, deixando assim que se mostrem tubos, latas, penas e cavaletes tombados. No alto de uma estante metálica, descansam oito esculturas, formas talhadas em madeira e sabão. Enquanto em outro canto quase ao breu, um enorme vaso estilizado abriga flores mortas, cujas pétalas secas se espalham no chão.

Já mais próximo à janela, levanta-se uma única tela descoberta, borrada e interminada, como se vítima fosse de um súbito abandono e condenada a perecer assim, pela metade. Naquele painel surge uma cor, que vem dos cantos superiores, traçada para baixo. Vista na chama e no ouro, é o tom da sorte de se ver nascer mais um dia. E ganhar mais outro pra simplesmente viver.

Com o azul, pintou matas, serras e florestas. Do açúcar fez caramelo. Pois é o mesmo tal de amarelo, escorrido para o centro da pintura, que celebra uma nova mistura, do encontro com um novo pigmento.

Uma outra cor, um carmim escaldante, dos batons baratos, acostumados a corar no espelho as bocas cheias de paixão. Arrasta-se de baixo para o meio este vermelho. É o sangue que pulsa, é vida. Não se duvida que casado a um anil suave, coloriu de lilás uma mínima camisola, incapaz de esconder os contornos de um corpo perfeito de mulher.

Todavia, jazem ali, mescladas naquela tela. E por mais belas que sejam, não produziram juntas mais que um marrom. Um marrom sem encantos, distante da pele ardente da mulata estonteante. Pode até lembrar o café perfumado das manhãs apressadas, ou quem sabe, ao máximo, um saboroso chocolate das noites frias da segunda infância.

Irremediavelmente misturadas e feias, num cromo melancólico e saudosista. É como se imaginam e lamentam. - Não deveriam deixar o azul - não param de lamuriar. Este, sim, segue reinando no alto dos dias de sol e das noites de lua, tom sobre tom.

Pois nesta tarde, finalmente, invertem-se os sentidos das pinceladas. E para tal, bastava assim querer enxergar. Do centro, onde são lama, se afastam para as extremidades, onde são únicas, acesas. E caminham assim, como um milagre, cores vivas outra vez, ainda meio desbotadas, solvidas por esparsas gotas de lágrima, por culpa da separação.

Leônidas Falcão

Os Pensadores de Birosca
Enviado por Os Pensadores de Birosca em 06/02/2013
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