“Que país é esse?”
Criei em mim um conflito a partir da infindável repetição desse verso questionador. Não pelo que questiona, não pelo que pretende significar. O que incomoda é vê-lo dito de qualquer forma e válido para todas as circunstâncias. Mas será mesmo que todos os que mencionam o verso estão assim totalmente cobertos de razão? Penso que não.
Penso, por outro lado, que não o país em si, mas o povo (o que dá no mesmo), tá, sei. Mas, será que existe um país ou um povo que possa, assim, de forma muito orgulhosa sobrepor-se a tal pergunta? Será mesmo que existe um povo tão educado, correto, justo e politizado a ponto de não se enquadrar ao mesmo questionamento?
Então vejamos. De onde são os gangsters, os cowboys fora da lei, os armados até os dentes, os autores do bullying? De onde é a Cosa Nostra? De onde era Al Capone? De onde são os grupos de guerrilheiros, de fanáticos, de estupradores, de praticantes de crimes contra os próprios irmãos e as mulheres em especial? De onde é o holocausto? Onde estão os hoolygans? Onde aconteceram as piores guerras? Onde é que não existe a corrupção? Quem inventou a forca, a cadeira elétrica e a pena de morte? Quem queimou Jeanne d’Arc e por quê? Que faziam os romanos em seu circo de horrores ao tempo de Cristo? Quem vendeu Jesus? Quantos são os déspotas da História Universal? Quantos foram os sanguinários imperadores? Quem matou Inês? Como foram as terras da Europa conquistadas? Quem praticou o assalto ao trem pagador que cumpria o trajeto da Escócia para Londres? Quem matou Maria Fea? Você sabe quem são estes homens: Mohamed Suharto, Ferdinand Marcos, Slobodan Milosevic, Jean-Claude Duvalier, Alberto Fujimori? Quantas perguntas mais eu poderia fazer? Para arredondar, pergunto: Que mundo é este?
Sei que essa minha reflexão nem quer e nem justifica que tais coisas tenham ocorrido ou continuem ocorrendo. Entretanto, não vejo com satisfação essa pergunta “Que país é esse?”, usada com a força de uma acusação e com gosto na boca de filhos que falam mal dos próprios pais e dos irmãos. Velho e bom é o ditado que ensina que roupa suja se lava em casa.
Este país é o Brasil, espoliado desde os seus primórdios, ensinado a errar desde lá, pois para eles, aqueles que se julgam superiores e acima de qualquer questionamento, o nosso país é um subproduto europeu, uma colônia imprestável de mulatos. Não custa lembrar que foi desta terra tantas vezes batizada e menosprezada, que navios se movimentavam singrando incessantemente as belas águas do Atlântico para levar riquezas para o outro lado das ondas.
Este país é o chão onde nascemos. Este país é aquele excluído, apontado e também desejado porque os outros se meteram e se metem ainda a oferecer seus espelhos e até armas. Nós somos assim defeituosos porque herdamos também a irrecorrível biologia de tantos daquelas bandas metidas a inquestionáveis. Mas, de outro ponto de vista, somos o povo brasileiro que ama, mesmo quando não é amado.