CINZAS...!
Como estamos vivendo uma época de carnaval, decidi republicar essa crônica reflexiva, com algumas alterações para o momento atual, porque ela foi escrita em 1980 e publicada em meu sexto livro de crônicas em 1982 e depois republicadas em 1985, em nova Edição, no Estado do Pará. Espero que gostem e a repassem aos seus contatos. Obrigado e um abraço a todos e todas.
Carlos Costa
Cronista de Manaus
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Crônica publicada em meu livro “CRÔNICAS COMPROMETIDAS COM A TUA VIDA”, de 1982 e reedição em 1985 em Belém do Pará (in carloscostajornalismo.blogspot.com)
CINZAS...!
Cores se repetem se investem se vestem e se permitem ver; depois descansam jogadas em qualquer canto, de qualquer parede, de qualquer casa. Deixam de ser a razão da ilusão: é a ilusão sem razão de alguém que teimou em brincar e beber enquanto pôde...e descansou no final com a morte em acidente de trânsito. E foi enterrado como guerreiro derrotado pelos tiranos que lhe aplicaram bafômetro permitido por lei!
CINZAS...!
Cores de sangue correm n’algum lugar, investindo contra a estrutura moral ou imoral de quem o tirou de quem o perdeu. É o protesto mudo, surdo, cego de quem não tem forças, voz, sentimento e consegue mover montanhas, só com a cor que veste na avenida. É carnaval. É sangue. É suor. É ilusão.
CINZAS...!
Já não brinca o assalariado da esquina, nem concorda com o patrão o empregado da fábrica. Não há mais um sorriso nos lábios da família: falta farinha, falta, arroz, falta feijão. Mas, ah Deus, quase esqueço, ontem foi carnaval, Já não correm pelas calçadas os filhos do que perdeu sangue, nem o bêbado que morreu de alegria, nem do alegre que deixou tristeza. Não. Nada aconteceu. É cinza...!
CINZAS...!
Corpo cansado, jogado de lado, pintado de ontem, fantasiado de tudo, jogado no na calçada da rua à espera do momento de o sol raiar...Espera o momento para acordar, entrar na realidade, sacudir a poeira da avenida, tirar a fantasia do clube, seguir para o trabalho e encarar o patrão mal humorado, a mulher mais carinhosa, o filho mais raquítico. Ah, mas como pode? É carnaval!
CINZAS...!
Cinzas, cinzas correm na enxurrada e descem pelo esgoto mais próximo. Cinzas levam os confetes, as serpentinas, o amor da menina que foi deflorada durante o baile sem camisinha, os gemidos da virgem que perdeu a virgindade, o corpo da donzela que não é mais donzela, a super pureza da bela que também deixou de ser bela sem fantasia...Levam as promessas de amor feitas no escuro do salão, os momentos de paixão e dos beijos sumiram.. Deixam, ah, como deixam, um filho carnavalesco feito às pressas e sem qualquer pudor, desfilando à avenida da vida. Ah, me desculpem, mas era carnaval!
CINZAS...!
É um dia qualquer, de uma quarta-feira qualquer, que acostumei a chamar de cinzas para não chamá-la de outra coisa. É o dia do final, é a queima do total, é a razão espiritual de quem não teve espírito sempre igual. É o fim do começo. É o começo que termina porque no próximo ano tem mais e começa tudo de novo e termina tudo, também É cinza! É carnaval da ilusão!
CINZAS...!
Como são gostosas as lembranças dessas cinzas. Escondem os restos das máscaras, desmascaram o que sempre foi fantasia, deixam à vista tudo aquilo que sempre foi...Há um chefe no gabinete, há gabinete para um outro chefe e uma prisão para um outro chefe, chefe do banco, ladrão que rouba, menino filho de pai que rouba, chora. Mas lamentar para quê? Era tudo carnaval!