Uma inauguração... do barulho
Por: josafá bonfim
Desde tempos remotos, o homem sempre teve um fascínio pelo espaço aéreo, que tem proporcionado a busca incessante de meios que o proporcione desvendar e fazer uso dessa dádiva celeste. Foi nessa faina, que no inicio do século passado, ano de 1906, o engenheiro e cientista brasileiro Santos do Dumont, antecedido pelos experimentos dos irmãos americanos Wilbur e Orville Wright em 1903, inventou o avião, e assim deu o gigantesco passo para a conquista dos céus, encurtando distancia entre lugares e unindo os povos, como os anais da historia afirmam.
No Brasil a aviação aérea se consolidou nas décadas de 20 e 30 do século passado, na dita era de ouro da aviação, em que teve como símbolo o avião douglas DC 10, com turbina a jato, décadas depos é que sugiram os air bus.
Pois bem, corria o ano de 1952, num território longínquo dos grandes centros urbanos, e à margem do progresso, denominado Ipixuna no Estado do Maranhão, que passara de vila a cidade em 1943.
Após ter sido construída a estrada da sede da cidade para o povoado Santo Antonio dos Vieira, o prefeito da época, Nonato Veloso, apostando no progresso do município, que se destacava como um grande celeiro de produção agrícola no estado; parte para um desafio maior: a construção de um campo de pouso para aviões de pequeno porte, visando, assim, intensificar o fluxo comercial da cidade com outras regiões. Era futurista a ideia do jovem e ousado governante municipal.
Alicerçado por recursos próprios do município, e uma certa subvenção alocada por intermédio do atuante deputado federal Miguel Bahuri, (in memorian), amigo pessoal e aliado político de Veloso, o prefeito parte para a empreitada.
Não existindo à época equipamentos mecânicos ao alcance do município para esse fim, o trabalho fora tocado pelo braço humano, à base de foice, machado, enxada, carroça, lombo de animal, suor e esforço físico, muito esforço. Missão duríssima para aquelas dezenas de homens, nas condições mais adversas, naquele sol inclemente do escaldante verão nordestino.
Por fim, com um esforço hercúleo, de todos aqueles envolvidos na execução da obra, foi dada por concluída a dura missão, cuja data inaugural marcada para um dia de domingo. Para abrilhantar o evento, fora convidado a fazer parte da cerimonia, o próprio deputado Bahuri, como reconhecimento da gestão municipal ao seu esforço.
Para abrilhantar a festa, fora disponibilizado o uso do avião particular do deputado, para estrelar o voo inaugural da pista e tudo mais.
Todos os preparativos foram meticulosamente providenciados, mas esqueceram que estavam vivendo num verão escaldante, cujo inverno próximo passado, escasso de água, ocasionara o estio da estação seca. Deficitária a estrutura operacional da época, por mais que envidasse esforços, o prefeito anfitrião não tinha condição de dar o mínimo de conforto aos convidados de honra, nem comodidade a plateia em geral.
Não existia meio de transporte regular naqueles tempos. Na inexistência de automóveis, cordões de pessoas desciam os três km a pé, da cidade; outras tantas em animais de montaria rumavam do interior para presenciar o evento inusitado. As instalações do campo, cenário onde ocorreria o evento, situavam-se num planalto, que hoje compreende os limites da propriedade do senhor Cravo, com terras pertencentes à Fazenda Velha, no povoado Pipira, com seu traçado paralelo à MA-247.
A população inteira da cidade e região vivia a enorme expectativa, dantes nunca presenciada.
Apesar da estrutura urbana acanhada, Ipixuna era centro comercial e politico da região do Médio Mearim. Bacabal e Pedreiras eram cidades pequenas, ainda engatinhando, criadas a partir do desmembramento daquele município. Portanto de uma forma ou de outra, tinham para com a anfitriã, a reciprocidade e a atenção de municípios filhos.
Pois bem..., Por volta do meio dia de um domingo de intenso mormaço, era tanta gente concentrada no local, que parecia não ter mais uma vaga livre, sequer, no espaço destinado a acomodar o povo.
Uma multidão inundou aquele trecho de acesso à cidade; misturada a infinidade de animais de montaria e barracas de vendas improvisadas, sem que atendesse à demanda. Um transtorno indescritível...
O tempo se arrastando e a espera sufocando aquele povaréu esfomeado e sedento por um gole d’agua, que fosse, para aplacar a terrível sede. Muitos buscavam se abrigar do sol inclemente, debaixo de galhos da escassa vegetação do capoeiral, outros improvisavam guarda sol com palhas de coqueiro. Enquanto os mais arreliados surtavam, indignavam-se, arrependiam amargamente por ter se lançado naquela aventura causticante. O desalinho, é que precisavam se manter no local, pois não compensaria fazer todo o percurso de volta a pé para a cidade, naquele sol ainda mais abrasador. As dezenas de cabaças dágua não eram suficientes para aplacar a sede da multidão. Foi um verdadeiro pandemônio naquele purgatório infestado de almas arrependidas a procura do mínimo conforto. Porem o anseio pela novidade fazia o contraponto da situação.
A expectativa do pouso da aeronave era algo indescritível para a época. Com exceção de algumas figuras destacadas, quase ninguém do publico tivera oportunidade de ver um avião antes. Sequer existia sinal de TV na região. Somente através de foto seriam capazes de identificar o transporte aéreo. E mesmo assim difícil, devido revistas e jornais não circularem na região.
Os questionamentos povoavam as imaginações daquela gente: como aquele troço pesado se equilibrava no espaço; as pessoas que vinham nele eram gente normal como todo mundo ou eram dotadas de poderes extras. Parecia no imaginário dos menos informados, que o bicho era encantado e devia estar vindo direto do céu. Razões tinham de sobra pra ninguém querer perder aquele espetáculo "sobrenatural", por mais desconforto e flagelo que estivessem passando. Queriam contar no futuro aos netos que estivera presente na ocasião daquele evento fantástico.
Por volta de 2 horas da tarde, os olhares em massa se dirigem a um minúsculo ponto vagueando nos céus, que com o passar do tempo vai ampliando de tamanho e em minutos, está confirmado: era o cortejado avião, que antes de tocar o solo ipixunense, dera duas ou três voltas panorâmicas com voos rasantes a contemplar a pequena povoação a aguardá-lo sofregamente. A estratégia do piloto, aguçou ainda mais, a curiosidade da população, tanto aos que já estavam no entorno da pista, quanto aos que por alguma razão maior não puderam deixar suas casas. E principalmente estes, pelo aguçado desejo, de avistar em solo o objeto voador que acabara de passar rasante sobre suas cabeças. Outros ansiosos, tocados pelo novo instante deixaram seus afazeres domésticos e saíram em disparada atrás daquela “ave voadora gigante”. Tantos largaram panelas queimando ao fogo, outros esqueceram-se das crias que se precipitaram chorando pelos caminhos. O perimetro urbano tornou-se totalmente abandonado. As casas de comercio, vazias, ficaram pior, porque agora não tinham ningém que atendesse a um cliente, que fosse. A cidade pareceu virar ponta cabeça, e só voltou à normalidade quando os tripulantes da aeronave deram por encerrada a inusitada visita e a romaria pôde aos poucos retornar às suas casas. Há quem diga que no deslocamento para casa tiveram que enfrentar um vendaval que varreu a cidade, onde objetos esvoaçaram pelas ruas, e até crianças se perderam pelos caminhos. Mas isso é parte de uma outra historia...
São Luis Gonzaga, 20 de junho de 2011