O CRUZEIRO
Conta-me meu pai, que já chegara à escola alfabetizado. Talvez haja certo exagero nesse entusiasmo. É possível que ele conhecesse todas as letras e até fizesse a junção de algumas sílabas, mesmo sem o alcance do abecedário, manual de alfabetização da época.
Meu avô paterno, homem muito dado à leitura, chegava a casa com a revista O Cruzeiro e, abrindo-lhe as páginas, sentava-se com o filho apontando-lhe as letras. Meu pai diz isso com orgulho ao lembrar-se claramente da Última Página, coluna escrita por Rachel de Queiroz, lá pelos anos 60, quando O CRUZEIRO era a Veja de agora (em termos de popularidade, pois em qualidade com certeza era melhor).
Essa relação do meu avô com meu pai rendeu bons frutos. Meu avô não era poeta, mas cultivava literatura, especialmente poesia, sabendo de cor vários sonetos. Era, além de comerciante, músico. Tocava bandolim, e musicou vários poemas, dentre os quais “Um Laço de Fita”, de Castro Alves.
Meu pai mais ou menos seguiu essa trilha. Gosta muito de música, tem um belo e variado acervo (muita coisa em vinil). Mas preferiu a carreira do Direito, embora seja um leitor seleto e escreva com perfeição. Quando o ouço falar de escola primária, grupo escolar, exame de admissão ao curso ginasial, fico curioso. É com o mesmo entusiasmo da alfabetização quando “havia exercício de caligrafia, cópia e ditado”, que ele se refere aos tempos do ginásio quando estudou latim e francês. Depois, veio o curso científico, no Liceu, de onde partiu para a Faculdade de Direito do Recife. Nessa época ele conheceu uma moça elegante que estudava filosofia e posteriormente mudou para Letras. Meu pai apaixonou-se por ela, que não é portuguesa, mas tem nome de fadista: Amália. Minha mãe lecionou no Elefante Branco, colégio referência em Brasília, e de cujo corpo docente formou-se a UnB. Fiz essa digressão toda para chegar um pouco à minha origem. Sou o primogênito, nascido aqui no Planalto.
Meu avô viu-me pequeno e dele eu tenho boas lembranças. Na figura do meu avô transparece o meu pai. Ambos me influenciaram a leitura. Mas o meu processo de alfabetização deu-se por outro método. A palavra adiantou-se, associada a figuras e construindo frases à medida que a cognição se evoluía. E no Colégio Marista eu achava um saco aquelas leituras infantis. Eu queria ler outros livros e, no segundo ano do segundo grau, já havia invadido o acervo do meu pai com muitos livros que ele herdara do meu avô. Li José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos e, claro, Rachel de Queiroz além da última página. Um dia li O Alienista, de Machado de Assis. Fiquei maravilhado. A forma narrativa inovadora do conto fascinou-me. Passei para os romances. O defunto autor em memórias Póstumas de Brás Cubas me deixou louco. A inversão da ordem narrativa, começando “pelo cabo”. A concisão dos capítulos, a precisão vocabular, a construção frasal, tudo me fez elegê-lo meu escritor favorito, embora eu leia outros autores. Inclusive a divina doida Clarice. Mas risco, salto vários parágrafos dela, quando existem. Rachel é melhor. Não tem aquela introspecção pesada e às vezes monótona. É realista e contundentemente crua, embora se tenha declarado preguiçosa para escrever. Eu também sou até começar. Depois sinto uma interminável necessidade de escrever. Ora com a crueza de Rachel, ora como nas divagações de Clarice, quando “estou procurando, estou procurando, estou procurando”...
Agora vejo a foto do meu avô na parede e nele o rosto do meu pai, como que a dizer-me: ” leia na última página”, que não é d’ O Cruzeiro” onde já não se lê Rachel.
Conta-me meu pai, que já chegara à escola alfabetizado. Talvez haja certo exagero nesse entusiasmo. É possível que ele conhecesse todas as letras e até fizesse a junção de algumas sílabas, mesmo sem o alcance do abecedário, manual de alfabetização da época.
Meu avô paterno, homem muito dado à leitura, chegava a casa com a revista O Cruzeiro e, abrindo-lhe as páginas, sentava-se com o filho apontando-lhe as letras. Meu pai diz isso com orgulho ao lembrar-se claramente da Última Página, coluna escrita por Rachel de Queiroz, lá pelos anos 60, quando O CRUZEIRO era a Veja de agora (em termos de popularidade, pois em qualidade com certeza era melhor).
Essa relação do meu avô com meu pai rendeu bons frutos. Meu avô não era poeta, mas cultivava literatura, especialmente poesia, sabendo de cor vários sonetos. Era, além de comerciante, músico. Tocava bandolim, e musicou vários poemas, dentre os quais “Um Laço de Fita”, de Castro Alves.
Meu pai mais ou menos seguiu essa trilha. Gosta muito de música, tem um belo e variado acervo (muita coisa em vinil). Mas preferiu a carreira do Direito, embora seja um leitor seleto e escreva com perfeição. Quando o ouço falar de escola primária, grupo escolar, exame de admissão ao curso ginasial, fico curioso. É com o mesmo entusiasmo da alfabetização quando “havia exercício de caligrafia, cópia e ditado”, que ele se refere aos tempos do ginásio quando estudou latim e francês. Depois, veio o curso científico, no Liceu, de onde partiu para a Faculdade de Direito do Recife. Nessa época ele conheceu uma moça elegante que estudava filosofia e posteriormente mudou para Letras. Meu pai apaixonou-se por ela, que não é portuguesa, mas tem nome de fadista: Amália. Minha mãe lecionou no Elefante Branco, colégio referência em Brasília, e de cujo corpo docente formou-se a UnB. Fiz essa digressão toda para chegar um pouco à minha origem. Sou o primogênito, nascido aqui no Planalto.
Meu avô viu-me pequeno e dele eu tenho boas lembranças. Na figura do meu avô transparece o meu pai. Ambos me influenciaram a leitura. Mas o meu processo de alfabetização deu-se por outro método. A palavra adiantou-se, associada a figuras e construindo frases à medida que a cognição se evoluía. E no Colégio Marista eu achava um saco aquelas leituras infantis. Eu queria ler outros livros e, no segundo ano do segundo grau, já havia invadido o acervo do meu pai com muitos livros que ele herdara do meu avô. Li José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos e, claro, Rachel de Queiroz além da última página. Um dia li O Alienista, de Machado de Assis. Fiquei maravilhado. A forma narrativa inovadora do conto fascinou-me. Passei para os romances. O defunto autor em memórias Póstumas de Brás Cubas me deixou louco. A inversão da ordem narrativa, começando “pelo cabo”. A concisão dos capítulos, a precisão vocabular, a construção frasal, tudo me fez elegê-lo meu escritor favorito, embora eu leia outros autores. Inclusive a divina doida Clarice. Mas risco, salto vários parágrafos dela, quando existem. Rachel é melhor. Não tem aquela introspecção pesada e às vezes monótona. É realista e contundentemente crua, embora se tenha declarado preguiçosa para escrever. Eu também sou até começar. Depois sinto uma interminável necessidade de escrever. Ora com a crueza de Rachel, ora como nas divagações de Clarice, quando “estou procurando, estou procurando, estou procurando”...
Agora vejo a foto do meu avô na parede e nele o rosto do meu pai, como que a dizer-me: ” leia na última página”, que não é d’ O Cruzeiro” onde já não se lê Rachel.