Memórias retidas

Dia desses recebi por e-mail, um vídeo de 1978 que trazia reunidos em um bar do Bixiga, Adoniram Barbosa e Elis Regina. Ali sentados a mesa, acompanhados por alguns músicos que tocavam violão, percussão e cavaquinho, cantaram três composições do pai do samba paulista. Coisa mais linda de se ver e ouvir sem pompa nenhuma, a alegria musical a se derramar no ambiente por entre pizzas e cervejas. A música em toda a sua essência e simplicidade. Muito bom mesmo. Ah! Brasil, que já gerou tanta gente boa. Só que não se esforça para resgatar a memória e divulgar seus valores, não dando a conhecer aos jovens seu universo artístico mais original.

A retenção da memória parece ser um costume arraigado à velocidade dos dias atuais. Lembro-me dos meus pais, meus tios e de outros conhecidos que se reuniam a noite em nossa casa e contavam casos vividos por eles ou, por outros personagens. Meus irmãos e eu, mais alguns meninos e meninas da vizinhança ficávamos sentados ao chão, na soleira da porta, ou na mureta da área, ouvindo e aguçando a imaginação que nos transportava para a Araraquara do tempo e espaço em que se dava a história. Por essa razão tenho ao menos uma pálida impressão dos costumes, valores e modo de vida dos anos quarenta e cinquenta, quando viveram sua infância e juventude. Os relatos me forçavam a compor as cenas e montar as imagens dos lugares, conforme descreviam o modo como eram.

O que cabia a nós, crianças à época, era dar continuidade a essa forma de passar a história real às crianças de hoje. Parece que a maioria das pessoas preferiu reter na memória individual a experiência vivida. Ou porque o tempo tomado para sua narrativa ocupa tempo demais subtraindo o descanso, ou porque os meninos de hoje já não dão tanta atenção ao que não seja vídeo game e internet. A verdade é que muita coisa adormece em nossa lembrança e quando um dia passarmos, os shows de acqua loucos nas piscinas da Ferroviária, as tardes de mergulhos no tanque redondo da represa do Ribeirão das Cruzes, as aventuras vividas nas noites de quermesses em prol das reformas e construções de igrejas da nossa cidade, serão episódios apagados como se não tivessem existido.

Rossan
Enviado por Rossan em 04/02/2013
Reeditado em 04/02/2013
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