O segredo da verdadeira amizade
Constantemente encontramos pessoas, no vai e vem da rua, nos cantos, nos tropeços e esbarrões, são rostos estranhos. Sob um rápido sorriso pedido de desculpas, e lá se vai uma alma amiga, esquecida. Assim é a vida diriam certos poetas. Mas às vezes as coisas não acontecem assim, às vezes um simples olhar. E reconhecemos no outro algo mais. A primeira vez que vi o Hagen, quer dizer: permitam-me as devidas apresentações, Sebastião Hagen Cardoso Filho, o Santinho, para os íntimos, simplesmente Sabá, não; às vezes não gosto de apelidos, vou mesmo à essência do nome Sebastião, como falava na primeira vez que nos vimos sentir um algo mais, uma sensação estranha. Um desejo de proteger, de dar comida, dar apoio dar atenção, uma necessidade mordaz de cuidar. A visão de desprotegido era seu cartão de visita, bastava olhar e logo se via ele era um maior carente. Magro, alto, mau vestido, malcheiroso e cabeludo. Mas que somente aos meus olhos, que via alem da aparência ele se mostrou diferente.
Da vida dele eu sabia pouco, apenas que tinha uma irresistível queda por canções do Roberto Carlos, na cabeça vasto cabelos embranquecidos, no rosto magro, um sorriso sem vida, no corpo a marca dos maus tratos, a vida já havia feito sofrer, as palavras saiam com dificuldades, uma maneira de proteger-se, assim pensava ele: passaria despercebido. Não sei direito quando ficamos amigos, não sei à hora exata, o tempo parecia não ter lógica, não sei ainda, quando realmente decidi que ia ajudá-lo.
Em uma sexta-feira juntamente com mais dois amigos, fui resgatá-lo, chegamos de supressa, não avisei sobre minha decisão. A mudança foi rápida lembro ainda aquela tarde; de bagagem uma mala velha, dois pares de sapato, uma cama com colchão de espuma envelhecida, algumas mudar de roupa.
Após uma semana em minha casa, ele confidenciou a sua desistência da vida, pra ele apenas um milagre o faria mudar. E desde esse dia passeia a ser a sua Deusa. De inicio tentei oferecer a ele uma alimentação equilibrada, a qual ele não aceitava, o vicio do álcool havia tirado o sabor dos alimentos, suas mão tremulas não sustentava nem o copo de leite, foram dias difíceis, segundo ele o melhor de tudo, o fim da tarde, quando eu chegava do trabalho, e com um sorriso ele me recebia, era rotineiro eu sentar perto da porta, conversamos sobre um pouco de tudo, era o contato com o mundo, ele viajava sobre minhas palavras meu sorriso, e aos poucos ele se soltava, falava vez ou outra sobre sua vida, nas palavras, a amargura, era presente.
Mas eu precisava estabelecer limites, quando percebia suas tristezas já sabia que era hora de dar boa noite. Assim passado um ano, ele já era outra pessoa, no seu rosto rosado, a marca da trégua, um ano sem bebida. Pra mim era uma grande vitória, pra ele foi a maior tortura, suas pernas não obedeciam, mas, devassador a destruição. O álcool, já tinha levado, mas da metade das chances de vida saudável. Agora restava apenas correr contra o tempo, e solucionar problemas aparentes, as seqüelas eram prevista. Começa agora sua maior batalha. Manter-se sóbrio. Cada dia era contado diferente, dizia apenas: Graças a Deus, por hora ele foi mais forte.
No dia do seu pagamento, ele me pediu um aparelho de som, queria algumas fitas do Roberto Carlos, não pode negar esse pedido, embora percebesse a fragilidade em que ele se encontrava, mas por intuito de levantar seu astral, fez-se seu gosto. Comprei o som e as fitas. Quando cheguei ao final da tarde, vi seu olhar diferente, sua mão não controlava o volume do som, maior foi à vergonha de me olhar aos olhos, ele não resistiu. Perdi após um ano, para o álcool. Os anos seguintes foram batalhas, cheias de derrotas, perdi a conta das vezes que fui juntar ele do chão, ele sempre chorava me pedia perdão, como se somente a mim ele feria, seu corpo estava marcado, nas pernas, no rosto as marcas dos pontos ficaram visível, ele ficou conhecido na ala Ana Nery no Hospital são Camilo, suas internações passavam a ser quinzenal, e foi numa dessas vezes em que eu pedi socorro à família dele, já não dava mais conta de somente eu e meu marido cuidar dele, quando ia para o hospital ficava mais difícil pra nós, meu marido tinha que carregá-lo par o banheiro dar banho, fazer a barba, para eu a ficava a escolha das roupas, entear os cabelos, e passar leite de rosas, e foi assim que descobrir que eu um do seus fracos de leite de rosas, tinha álcool, que já não tinha, mas desculpa a dar, seu estado do alcoolismo era visível a todos.
O irmão dele veio fazer uma visita, e ficou comovido com o carinho em que segundo ele vinha de uma família estranha, e passou a também a ajudar. Somente uma conversa franca com a Assistente Social do plano de saúde, e a ameaça de perder os auxilia, o fez de ter um pouco de responsabilidade. E finalmente dar uma trégua. Nesse período de abstinência: Nada de Roberto Carlos, seu companheiro imaginário de tantas aventuras, pois ele estava o levando para o mau caminho, então foi a hora de introduzir outros gostos musicais e aos poucos ele já se deliciava na MPB, brega, e musicas romântica, por que do Roberto ele só gostava das musicas de jovem guarda, em ritmo de aventura, do românico ele evitava ouvir, só nesse momento que fui saber o motivo: Uma antiga e devassadora paixão: este era o motivo dos sofrimentos do Hagen. Um amor incompreendido, mentiroso, falso, segundo as palavras dele. Tentei saber detalhes desse amor. Em investigação minuciosa descobrir que ela já havia morrido há muitos anos. Ate fiquei feliz, agora ele estava livre dos sofrimentos, não tinha o porquê sofre mais, era à hora de falar pra ele, nem me preparei falei de maneira rápida e clara, só após sua reação é que cair em mim. Mas já era tarde. Agora ele bebia porque o seu grande amor já não vivia, mas.
Tudo era somente, mas um motivo para ele beber. Então brigamos ficamos de mau, um sem falar com outro por algum tempo. Isso ate um dia de domingo, em minha casa minhas cunhadas vieram para o tradicional churrasco, sol, piscina, cerveja e um novo convidado o Videokê, era uma turma animada, então começamos a cantar estilos variados até eu querer cantar uma canção do Paulo Sergio: Esta é, a ultima canção que eu facão pra você, já cansei de viver iludido só pensado em você...: Qual foi a nossa supressa, esta musica fez o Hagen se levantar e caminhar por vários obstáculos pra vir ouvir a musica, me fez cantar varias vezes a mesma canção pra ele, então me fez um pedido. Que quando morresse no seu velório, ele queria esta musica: esta musica e que eu cantasse pra ele. Sem entender e nem levar muito a serio ainda questionei e o Roberto Carlos meu, ele não vai gostar nem um pouco disso. Demos boas gargalhadas e passamos a nos falar, as magoa já haviam sido esquecidos, acho que este é o verdadeiro sentido da amizade; saber ver as deficiências e fragilidade do outro, mas não interferir e ate mesmo aceitar. Assim eu e meu marido, passamos aceitar e encarar a doença do Hagen: O alcoolismo. Passei a respeitar suas abstinências, elogiando a sua bravura, Passei a ter sempre uma mão disponível pra levantá-lo do chão quando não, mas dava conta de andar. Perdemos a conta das vezes que meu marido teve que carregara-lo pra por na cama. Porém uma coisa eu não conseguir fazer nunca: Que era sair pra comprar bebida pra ele, isso era muito complicado pra mim, mas nunca foi problema pra ele. Sempre ele dava um jeito. Fiz por ele, que nunca fiz por minha mãe, que tinha também o mesmo problema. Que meu marido não fez nem mesmo pra a o pai dele.
Demos a ele mais que abrigo, comida, atenção. Demos amizade verdadeira sem nunca esperar nada em troca, sem nunca querer que ele pelos menos nos agradecesse-nos. Porque ele me deu a maior oportunidade da minha vida. Que era tentar redimir um ser humano que estava no fim da vida. Fiz de maneira lenta com que ele tivesse novamente prazer na vida, mesmo que seja através de uma simples canção, um soverte, o mesmo tomar um tacacá, coisas que pra ele já não conhecia nem mesmo o sabor, devolvi, o prazer de ser tratado como gente, e não um indigente, que já era evitado por todos.
Quando pensei em trazer o Hagen para junto da minha família tinha dois objetivos em vista: Um era fazer com que ele se aposentasse, sem perdas salariais, a outra fazer com que ele fosse reintegrado junto a sua família Uma terceira seria utopia, que era fazer ele parar de beber. Mas lutei durante cinco longos anos. Em três anos tive que agüentar o Roberto Carlos cantar por vários dias seguidos; Ele estava comemorando a sua abençoada aposentadoria. A outra foi após cinco anos, vi seus olhos triste, era a hora da partida, sua mudança estava no caminhão, seu irmão estava disposta a partir daquele momento, assumir suas responsabilidades.
Dele somente um gesto de confiança maior. Queria que eu continuasse a tratar dos seus interesses. O qual eu não podia, mas ele estava pronto pra caminhar sozinho, era realmente a hora da separação.
Tenho ainda uma grande amizade por ele. Mas uma amizade que me impede de ir visitá-lo, embora meu marido me convide com insistência, por saber que ele sente a nossa falta. Passados três anos que não o vejo, tivemos apenas um rápido contato por telefone, liguei pra ele no dias do seu aniversario de 50 anos, e cantei a sua musica preferida: a “ultima canção” de Paulo Sergio, e ficamos sem palavras puder perceber seu choro silencioso, mas acompanho cada passo dele, sei através do irmão que ele agora esta dependente de uma cadeira de rodas, não bebe mais. Não que não tenha vontade, é que seu organismo só aceita remédios.
Minha missão foi cumprida, do Hagen guardo boas lembranças algumas são marcantes o Roberto Carlos é claro, também passe a ser fã dele, leite de rosas, nunca vi alguém gostar tanto como o Hagen, já ia me esquecendo o seu Bom dia era diferenciado, todas as vezes que eu cumprimentava: falava Bom dia Hagen; ele respondia. Dia bom. E com alegria hoje ainda afirmo o Hagen ainda vive.