O POÇO

Desde muito pequena, a menina de olhos verdes e cabelos negros cacheados teve uma grande missão. Ficou órfão aos três anos e foi criada pela madrasta. Nem deixou de ser criança para assumir uma vida de gente grande. Aos oito anos, lavava a roupa da casa e tinha uma rotina de bastante trabalho doméstico. Só estudou por três anos, o suficiente para aprender a ler e a escrever. Foi tirada da escola porque “mulher não precisa estudar”. E foi assim que passou a fazer de tudo para todos: lavar, passar, cozinhar, limpar e servir, servir, servir. Edite era esta menina.

Certo dia, Edite usava para trabalhar em casa seu vestido branco do dia de sua Primeira Comunhão que já estava velho e surrado. Era um modelinho simples de um tecido comum. Naquele mesmo dia, trazia água do poço para encher o tanque em que lavaria a roupa da casa. Contava os baldes um a um, pois precisaria de dez até o tanque encher por completo.

A menina Edite era baixinha e de pernas curtas, pois ainda ela era muito pequena para aquele enorme trabalho. Tinha apenas oito anos!

No oitavo balde, Edite se distraiu e tropeçou na boca do poço.

- Jesus! Quase caí! - disse ao perceber o perigo.

Saiu para esvaziar o balde dentro do tanque e voltou para pegar mais água. O infortúnio aconteceu. O pequeno corpo bateu no fundo do poço após a queda. Era para acontecer! Com dificuldades, a menina viu a água turva e segurou-se nas laterais, com uma força de gente grande.

- Nossa Senhora! Minha mãe! - clamou em desespero.

Conseguiu chegar com a cabeça para fora e gritar por socorro. Uma vizinha viu aquela situação desesperadora e pulou a janela da casa para alcançar o quintal onde Edite estava. As mãos ágeis seguraram a pequena assim que ela retornou à superfície e os minutos decisivos separam aquele anjo de partir aos oito anos.

O vestido branco da menina ficara todo rasgado. Seu escudo para proteger-se de todos os males? Acredito que não. Edite, mesmo depois do ocorrido, ainda continuou a trabalhar com os baldes, o poço, o ferro de brasa para passar roupas, as facas afiadas da cozinha e tantos outros objetos que, de certa forma, eram os menores perigos que a vida ainda lhe ofereceria.

A menina teria muito ainda para viver e um dia contar a filhos, netos e bisnetos sobre o dia em que caiu naquele poço do quintal de casa e que fora salva por uma vizinha que, sem querer, lhe proporcionou a chance de contar muitas vezes esta história.

Luciane Mari Deschamps
Enviado por Luciane Mari Deschamps em 02/02/2013
Reeditado em 14/07/2022
Código do texto: T4120099
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