Minhas Raízes
Minhas Raízes
Meu amor à Bela Cruz surgiu principalmente, pelo fato de minha mãe haver nascido nessa bela cidade cearense. Foi em 1º de setembro de 1913. Caçula de dez irmãos era filha de Francisco das Chagas Araújo e Maria da Penha Leitão. Recebeu no batismo o nome de Maria do Socorro Leitão Araújo, embora depois passasse a ser conhecida por Diva, por afetividade de meu avô que a chamava “minha diva”, palavra que encontrou em uma carteira como marca de um cigarro, na época. Minha mãe viveu sua infância e juventude ali, quando a cidade ainda tinha o nome de Santa Cruz.
Sempre gostei de ouvi-la contar as histórias de seus momentos felizes em companhia da família e dos primos: Das pedrinhas ovaladas do Alto com que improvisava fazendas de gado; dos cavalos de talos de carnaúba com olhos de biriquiti e boca de sementes de mulungu; das bonequinhas feitas com ossos envoltos em panos; dos passeios na Tabuba, dos banhos na Lagoa do Mato e de ter dormido uma noite numa casa feita de varas e palhas de carnaúba, dizendo ter sido “o dia mais feliz” de sua vida. Falava dos bailes que seus irmãos mais velhos faziam em casa, sendo que, para dançarem, colocavam bastante pó de palha de carnaúba para encerar o piso de tijolos. Isso era um divertimento para ela. Contava muitas outras histórias próprias de uma criança de interior, cheia de saúde e com poucas opções de lazer.
Uma das coisas que lembrava com saudades, era da escola em que estudara. Falava com muito carinho de uma professora chamada Marieta Santos. Teve pouco estudo. Naquele tempo não havia distribuição em séries, mas aprendeu o suficiente para alfabetizar a mim, meus irmãos e algumas crianças vizinhas a minha casa. Às vezes, me admirava como fazia aquele trabalho com tanta eficiência. Tudo que lhe perguntava, respondia com precisão. Lia e escrevia correto. Uma vez declamou o soneto “Palhaço” do Padre Antônio Thomás e perguntei como havia aprendido. Respondeu-me que, quando criança, o Padre poeta que era vigário do Acaraú, sempre ia para Bela Cruz e se hospedava na casa paroquial. À tarde, na calçada, conversava com o professor Nicácio Barbosa e lia alguns de seus sonetos. Também falavam, às vezes, em Francês ou em Latim. Então, ela sentava-se à beira da calçada, pois morava vizinho à casa paroquial, a fim de escutar os dois conversarem. O melhor é que aprendeu algumas coisas de ambas as línguas e as passou para mim, tempos depois. E eu a admirava por isso. Na escola, também assimilou tudo sobre as quatro operações, em matemática, a ponto de ensinar meus deveres com muita eficiência. Só não ensinaram das frações em diante. O estudo que tivera fora bem aproveitado, porque de tudo sabia um pouco.
Com o passar do tempo, a casa de meu avô enchia-se de rapazes e moças: três filhos e sete filhas. Uma família unida pelos princípios religiosos e educativos. Mas não era só entre os irmãos. A amizade estendia-se aos primos, tios, padrinhos, todos que fossem unidos pelos laços do sangue. E ainda havia os amigos secundários. Meu avô era uma pessoa alegre e adorava sua família. Minha avó, mais recatada, era muito gentil, ótima dona de casa, esposa e mãe. Minha mãe contava que ela herdara dos pais, umas terras com carnaubais e que havia doado para a Igreja, ficando sem nada. Meu avô adoecera a ponto de não poder mais trabalhar e chegaram a passar necessidade. Quando os conheci já estavam assim.
Na fase da mocidade, os jovens de Bela Cruz iam dançar nos bailes da cidade do Acaraú. Numa destas festas, minha mãe encontrou um rapaz de Sobral, de muito conceito, que queria se casar com ela, mas não foi aceito. Passado algum tempo, numa tarde de domingo, estava ela rezando uma novena de maio em substituição ao vigário, quando avistou numa das portas laterais da Igreja, uma perna de homem vestida de branco e usando sapato preto. Ele ficara detrás da parede e somente a perna no batente da porta. Ficou ansiosa para saber quem era o dono daquela perna...(rsrsrs) Era rapaz de fora! Haja curiosidade! Após a reza da novena, foi ver de perto: “moreno, estatura mediana, olhos pretos”, enfim... Amor à primeira vista! Ao se identificarem, ficaram sabendo que eram primos não legítimos. Chamava-se Francisco Chaves de Carvalho, amazonense, nascido em 04 de julho de 1917, filho de Gaudêncio Frota Carvalho (cearense) e de Jovita Chaves (amazonense), residentes em Massapé.
A partir desse encontro, ficaram namorando e contraíram núpcias no dia 17 de setembro de 1937, cuja cerimônia foi realizada em Bela Cruz, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
Dessa união nasceram cinco filhos: José Renan, Maria de Jesus (eu), Antônio Guido, Maria Dúnnia e Francisco Evilásio. O primeiro e o terceiro faleceram ainda bebezinhos.
Caixeiro viajante, meu pai trabalhava para uma firma de tecidos de Massapé, representando no Piauí, no Ceará, inclusive em Bela Cruz. Era conhecido em minha terra, como “Chico Poeta,” porque fazia poesias, principalmente sonetos. Quem leu o livro “Relembranças” do escritor cearense Milton Dias, viu o Chico Poeta mencionado pelo autor, como companheiro de serenatas onde declamava seus poemas. Então, tomei a liberdade de colocar aqui, alguns de seus sonetos, que nunca foram publicados, para prestar-lhe uma homenagem e para que não se percam no tempo, já que falam de sua afinidade com a cidade de Bela Cruz. Constitui para mim grande felicidade, o espaço concedido pelo amigo Vicente Freitas em seu blog, onde posso registrar memórias tão queridas, que guardo no coração desde os mais tenros anos de minha existência. Obrigada, amigo.
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1. Santa Cruz
Francisco Chaves Carvalho
(Massapé – 1939)
Tive o prazer de conhecer-te um dia
Terra adorada! Bela Santa Cruz!
O teu encanto meigo delicia
Meu coração e muito me seduz!
Tu, que não tens a vil monotonia
Dos lugarejos tétricos, sem luz!
Com teu enlevo misto acaricia
Os que o destino bom a ti conduz.
Fizeste-me cativo num momento
Pois o encanto da graça feminina
Guiou-me para lá o pensamento...
Bendita sejas! Glória e sempre glória.
Entre as mais belas cidades praieiras,
Hás de ter, infalível, a vitória.
***
2. Longe de Ti
Francisco Chaves Carvalho
(Teresina, 17/09/1936)
Longe de ti, nesta alameda triste,
De espinho a minha vida já se tece.
Ó minha amada, que pesar existe
Neste meu coração, quando anoitece!
Sinto no peito um mal que só consiste
No tédio do viver que me fenece.
No mutismo fantástico da prece,
Prevalece-me a fé que me resiste.
Não poderei jamais na soledade,
Sofrer a dor-angústia da saudade
Longe de um ser que tanto me cativa.
Nesta ausência cruel, que me constrange,
O mal desta tortura que me abrange:
É não poder te ver, amada Diva!
***
3. Prova
Francisco Chaves Carvalho
(Massapé, 1937)
M.ais esta prova do meu puro amor
A.utêntica, solícita, veraz,
R.esistindo firmeza entre as demais
I.mpressas no meu peito sonhador,
A.os poucos, vais matando minha dor,
D.ando-me mais alento, amor e paz.
I.mergida em meu peito ainda jaz
V.erdadeira esperança multicor,
A.iluminar-me o trono deste amor.
A.lma feita de luz e de bondade
R.osa bela que enfeita o meu viver,
A.rgêntea luz do olhar – minha Deidade!
U.nindo-te, pra sempre, a minha vida,
J.orra-me impetuoso deste peito,
O.favo deste amor que é teu, Querida!
***
Aos meus pais queridos, eterna gratidão. Se fossem vivos estariam completando 75 anos de casamento (Bodas de Diamante), no próximo dia dezessete.
Durante toda a minha vida, estive cinco vezes em Bela Cruz, a primeira quando fui me batizar e a última em 1998.
Um abraço a todos os belacruzenses.