Deixa o padre passar
Um dia desses, saindo de casa para ir à Marabá Pioneira como chamam, passei por umas crianças que, como de costume, jogavam bola na Rua Maranhão, já bem próximo da Avenida Antônio Vilhena. Quando me aproximei, pararam o jogo e, de forma respeitosa, uma delas ordenou bem alto às outras: “Deixa o padre passar.” Um gesto simples, mas de valor inestimável nos dias hoje! Lembrando o estágio degenerado por que passamos, em que ninguém respeita a ninguém, fiquei deveras admirado e feliz com a humilde reverência daquelas crianças.
Não lhes agradeci formalmente o gesto para mim tão nobre, conquanto com ele até me tenha comovido. Passei calado e continuei meu percurso, mas feliz e sorrindo comigo mesmo: feliz, porque a deferência das crianças me fez sentir que nem tudo está perdido; sorrindo, por ver que, misturando as confissões religiosas, as crianças me confundiram com um padre.
De volta à minha casa, achando graça e fazendo brincadeira, contei o episódio a minha mulher. Passei, demais disso, a autonomear-me “o tal de doutor Valdinar, advogado que é maçom e também é padre”. Brincadeira, claro. É apenas um pouco de irreverência, embora sem desrespeito algum, para mexer com algumas pessoas cujo preconceito e intolerância me incomodam.
Preciso esclarecer, aliás, que tais pessoas a quem acima me refiro, se concentram em três grupos, a saber: católicos que não admitem nem sequer que se discuta o celibato; evangélicos para quem os padres e demais pessoas de confissão católica romana não são cristãos; e, na vala comum, católicos e evangélicos que dizem haver incompatibilidade entre a Maçonaria e a fé cristã. Ainda bem que nem todos os católicos e evangélicos se enquadram em tais grupos. Dizer que católico não é cristão constitui crime de injúria qualificada por preconceito de religião, tipificado no art. 140, § 3.º, do Código Penal.
Não sou padre: sou casado, e tenho mulher e filhos, além de ser crente presbiteriano e maçom. E, como já logrei ultrapassar a barreira dos cinquenta anos, ainda bem disposto, embora tomando remédios, gosto de dizer – com alguma ironia, mas sem querer ofender a ninguém – que sou maçom, sou batizado e já estou chegando à idade de dar bananas para todo o mundo.
É brincadeira, lógico, mas que também é verdade, isso é. Não sou debochado nem gosto de quem quer que seja que ande com deboches, mas não estou nem aí para baboseiras, parvoíces e similitudes! Viva a pureza e a simplicidade das crianças: “Deixa o padre passar!”