TALVEZ, O QUE VESTE O DIABO
Peguei “O Diabo veste Prada” na locadora, talvez para ficar um pouco mais antenado sobre o mundo da moda. Para ter papo com as mulheres sobre as cores da estação, salto alto, ou, talvez, para entender uma amiga investindo o salário mensal numa bolsa estilosa. Talvez, assisti ao filme para aprender sobre chefes e subordinados. Talvez, estes sejam seus temas mais pungentes. Talvez, seja de como a vida profissional se mantém com a energia da vida pessoal. Talvez.
Aprendi alguns nomes de costureiros e estilistas: Prada, Valentino, Chanel, Oscar de la Renta. Por dez minutos tenho assunto fashion. E aprendi a mandar, a querer tudo para ontem, a evitar perguntas dos subalternos, a olhar com desdém para todos, a achar que o mundo me deve obediência. De moda, não aprendi nada que não descobriria no Google. De chefes, para quem leu Machiavel, as dicas do filme estão super-ultrapassadas.
Miranda, poderosa executiva da mais famosa revista de moda do mundo, chora com Meryl Streep num quarto de Paris. A primeira e única vez. No mesmo momento, sua assistente Andrea se dá conta, poderá ser a Miranda do amanhã. Sua chefe sacrificou a vida pessoal, os afetos e amores, aos holofotes. O choro de Miranda é um alerta existencial. Sucesso e dinheiro custam mais que o melhor vestido do maior costureiro.
A competição chegou a tal grau de exigência nas relações de trabalho que é quase impossível harmonizar vida pública e privada. Ninguém pode servir a dois senhores, a Deus e ao Diabo. Tenho vários exemplos próximos, amigos e conhecidos. Subiram profissionalmente à custa de seus afetos, da drogadição dos filhos, de depressão e doenças. Quem vende a alma para o diabo tem que dar o corpo e o resto de brinde.
Vive-se um dilema. É possível dar qualidade de vida a nós mesmos e à nossa família sem um bom status profissional? Seria mesmo possível separar a economia do afeto, já que saúde, educação, casa, comida são bens de mercado?
A resposta não é simples. Sabemos que a resposta não é simples sempre que, ante uma pergunta, na ponta da língua não nasce o “sim” ou o “não”, mas, o “talvez”. Quanto o não e o sim não afloram num “záz”, eis um assunto complexo na mesa. É preciso encontrar respostas adequadas, respostas gasosas e amórficas ante a dinamicidade da vida.
O “talvez” é a palavra mais camaleônica da língua portuguesa. Não é palavra que se aplique ao mundo da moda, onde sempre se sabe o tecido e a correta cor da estação. Não é resposta que se espera de um chefe ou de um subordinado, porque mandar exige certeza de objetivos. Porém, quando se trata da vida, talvez, é a resposta mais corriqueira.