SEM MOTIVO

 Já se passaram mais de trinta e cinco anos e até hoje não sei por que razão o rapaz me olhou daquele jeito.
 Foi primeira e única vez que o vi; nem conversamos; no entanto, até hoje não entendi o porquê daquele olhar severo e atravessado, de banda, debaixo dos óculos de grau, nem chegando a me encarar.
 (...)
 Lembro-me da festinha de despedida que fizemos para a moça, nossa colega de trabalho na agência do Banco do Brasil.
 Naquela época não fazíamos festas de boas vindas. O funcionário novo chegava, o ambiente era (e sempre foi) bom e, daí a pouco, nem precisávamos ter comido uma saca de sal juntos para sabermos com quem estávamos lidando: era bom? era bom! e pronto. Nunca houve quem fizesse xixi fora do penico (exceto uma só vez que nem é bom lembrar).
 ...Naquela época, entretanto, realizávamos festas de boas saídas. Era o tempo em que os funcionários que pretendiam fazer carreira mais rápida candidatavam-se a ocupar cargos comissionados em agências localizadas em municípios longínquos, espalhados por todo o país. Se o candidato apresentava as condições exigidas (o Banco procedia a avaliações periódicas), seguia seu destino, às vezes até  em prejuízo da própria família, por ter que o acompanhar (mas esta é outra história).
 Fui, durante um período, presidente da AABB junto à agência em que trabalhava. Por causa disto, e porque havia me metido a escrever na revistinha que criamos, e ainda, porque me meti a letrista e músico de samba-enredo (ganhei concurso e tive que "puxar  samba" na avenida, pois, na hora, o puxador estava de porre!), cismaram, os colegas, que eu era orador e poeta...
 ...Todo mundo que ia embora para assumir funções em outras plagas, era a mim que encarregavam da alocução, ainda que outros, de maior verbosidade, também viessem a falar. A mim, me cabia, finalmente, entregar ao homenageado um cartãozinho, destes "de visita", onde se lia a trova de despedida, de minha lavra (sempre). 
 Pois bem.
 ...A moça era noiva do rapaz dos óculos de grau. Oferecemos-lhe uma bela festa, como tantas anteriores, com churrasco, salgadinhos, cervejas, refrigerantes, docinhos, música e ambiente alegre... Era um sábado; não mais se trabalhava aos sábados.
 Preenchidos todos os requisitos exigidos de uma boa festividade de congraçamento, chegou o momento culminante: o palavrório de despedida e a entrega da lembrança. 
 Cumpri minha parte: falei, entreguei à colega a delicada rosa de prata com que a presenteamos, e li a trova constante do cartãozinho: 
                      - Maria, Mariazinha 
                      que vai pro sertão baiano:
                      não perca, lá, a "rosinha"
                      logo no primeiro ano!

 (...)
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 Depois de mim, outros falaram.
 ...Mas, não sei por que só para mim o rapaz olhou atravessado!...

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Fev.01, 2013