Póstumo.

Parei faz tempo de me preocupar. Hoje levo a vida no sossego. A única grande responsabilidade que tenho é o trabalho. Meus amigos estão longe e me distanciei de todos com o tempo. Não que eu fizesse questão, apenas aconteceu. Acabei por me trancafiar dentro do meu apartamento e esquecer do mundo. As poucas vezes que saio é para caminhar na orla. Sento em um dos bancos da praia e fico vendo o movimento; isso quando não vou para o arpoador.

Morar em Ipanema tem sido sobretudo nostálgico. Lembro que há alguns anos passei a frequentar constantemente esses lados. Me aventurava na brisa da maresia, na areia que se infestava nas roupas, nas ruas iguais. Me mudei para cá por amor ao bairro. Isso mesmo. Acabei criando um certo afeto por esses cantos. Conheci uma moça que há muito morou aqui e me mostrou o quão poética pode ser a vida.

Ah, aquela moça. Ainda lembro dela com o coração batendo forte. Foi uma época boa da minha vida. Mas acho que já virou história, não sei. Hoje em dia não sei mais de nada. Apenas sei que o cigarro na minha mão direita não vacila em me queimar se o esqueço por muito tempo.

Voltei a escrever há pouco. Faz meses ou anos em que não pego em caneta o papel. Escrevo para matar o tédio e para dizer como ele me mata aos poucos. Está se assolando pelas paredes daqui de casa. Encrustado sob os tapetes da sala e do quarto. Sinto que definho a cada dia. A cada hora eu morro um pouco mais. Mas... Já não me importo, sabe? Sinto que aqui dentro não resta muito. Acho que apenas sou uma casca que mantém as aparências. Evito tudo. Evito sair, encontros, relacionamentos, pessoas.

Não sei se é a vida ideal, mas é a vida que se seguiu. Tenho uma boa condição financeira, mas isso não muda o fato de eu ser infeliz. E eu não sou feliz há tanto tempo que eu já nem sei como é. A última lembrança que eu tenho de felicidade são cabelos bagunçados, curtos e ondulados. Olheiras. Me preenche o coração. Me inunda a alma. E me traz uma saudade infindável.

Escrevo por não ter o que fazer. Na verdade, escrevo porque as palavras estavam sobrepostas e já não tenho mais cigarros para matar o tédio.

A H
Enviado por A H em 31/01/2013
Código do texto: T4116614
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.