CRONICA SOBRE A INFANCIA E A VIDA
CRONICA SOBRE A INFÂNCIA E A VIDA
Na minha infância vi um galho de árvore na janela e conversei com ele; o vento batia e eu pensava: ele está dançando. Na minha infância brinquei no celeiro e peguei piolho; e minha avó usava o pente fino para tirá-los e arranhava minha cabeça e eu pensava, bem que eles podiam ficar no meu cabelo e morar ali! Na minha infância ouvi músicas muito, muito engraçadas, os cantores cantavam tão alto, tão alto! E eu ouvia minha mãe cantar e ela possuía uma bonita voz e cantava Estrela Pequenina que nunca mais esqueci:
“No dia em que eu aprendi a andar
Mamãe me deu uma estrela pequenina
E disse, tu vais ver
Quando você crescer
No espaço pela vida há de guiar....”
Era linda a música, como era lindo ouvir Ari Barroso, Dorival Caymmi, Francisco Alves, por ai vai. Na minha infância conversei com flores solícitas, camaleões disfarçados, lagartos verdes de skate, nuvens de camelos e dragões que se engalfinhavam, lua que ainda iluminava tudo e eu via minha sombra no quintal, via minha avó que rezava, minha mãe que sorria, meus irmãos, cada um no seu mundo, meu pai que ia e voltava, ia e voltava . Na minha infância comi broa de fubá que achava uma delícia, brinquei de trem com minha irmã, um trem fantasma cheio de ilusões, tive medo das noites estranhas com sombras na parede. Na minha infância, tomei banho em bacia de alumínio e ouvi Aquarela do Brasil, vi as mulheres com cabelos em rolos engraçados, vestidos com enchimento nos ombros, bonecas de pano ou galalite, enfeites de árvore de Natal tão frágeis e a ponteira que se colocava no alto da árvore, para iluminar a chegada do Cristo; na minha infância aprendi a escrever em um caderno de caligrafia, usei um avental branco sobre o vestido, comprei balas no lugar que se chamava “venda” e que ficavam expostas em vidros que rodavam, dormi em beliche, adorei ir ao circo pela primeira vez, andava de trem e quando um trem passava perto do outro eu acenava para as pessoas e na estação havia flores, sempre. Na minha infância, eu fui feliz; mesmo assustada por vezes, mesmo sem o carinho que achava ser merecedora, mesmo com a pobreza, mesmo com aqueles que se sentiam superiores por terem dinheiro. Hoje, os vejo com fantoches desengonçados que se mexem ao som da vaidade e da futilidade inúteis. Na minha infância por ter tido uma avó tão disposta a esparramar amor e uma mãe que permaneceu conosco até seu fim, um pai que ia e voltava , um pai pós-vitoriano, um pai triste, agressivo, consternado mesmo,mas que nos trouxe cultura, e ética eu fui realmente feliz. Na minha infância.