Problema seu!
Vamos ver se eu consigo digerir esse fim de expediente.
Tem gente que costuma colocar o dia em avaliação assim que chega em casa, quando está em movimento no transporte público, enfim, eu sou um desses. É quando a gente se isola do mundo e ouvimos apenas os próprios pensamentos. Completamente distraídos.
Como de costume, estou dentro de um ônibus; dessa vez ligando para o 156, reclamando de um primeiro veículo, que me servia melhor, porém passou direto no ponto apesar de eu estar chamando sua parada. Naquele momento, esse era meu maior problema.
Enquanto faço a reclamação, percebo o trânsito lento, mas não me importo ainda. Estou agora distraído com um podcast no fone de ouvido, aproveitando para ignorar um bêbado insuportável ao fundo do ônibus. A bateria do celular está prestes a acabar e, nesse momento, isso se torna meu maior problema.
Completamente exposto à chatice do bêbado, começo a prestar atenção na rua à frente. Quero entender o trânsito lento. Adiante, vejo luzes de emergência. Polícia? CET? SAMU? Fosse o que fosse, deduzi que aquele seria o motivo do trânsito. Neste ponto, isto é meu maior problema.
O bêbado lá no fundo não pára de gritar e cantar e mexer com cada um que sobe ou que desce, e não perdoa nem quem passa na rua. Estamos nos aproximando das luzes de emergência e começo a identificar a cena. Saco preto no chão, forma humana, departamento de trânsito e policiais ao redor. Vítima fatal, sem dúvida. Mas não há carros nem motos danificados. Não foi colisão. Talvez atropelamento. Não seria surpreendente um atropelamento e fuga na Rua da Consolação. Enquanto tento identificar a cena, a porta do ônibus abre e entra um moleque, roupas sujas, mente alterada, xingando e apontando o saco preto no meio da rua. “Playboy filho duma puta se jogou aí. Pelado, ainda! Do jeito que veio, foi! Viado! Nego se fode por aí e não morre nem a pau. Boyzinho tem tudo na mão e faz uma dessas.”
Sem perceber, respondo em voz alta. “Vai saber, né?”. Acredito que o moleque nem tenha percebido de onde veio a resposta e sua reação foi a de quem se espanta com os próprios pensamentos...
Agora, depois do ônibus, a bateria do celular, o trânsito lento, eu me coloco no lugar “boyzinho” suicida. Quantas vezes não pensei no mesmo? Personificar Chico Buarque. Morrer na contramão atrapalhando o trânsito!
Não quero comparar cruzes. A minha não é mais leve nem mais pesada, é apenas o peso de uma cruz que é só minha; como talvez tenha sido a do cidadão que se lançou à sorte e enfrentou a gravidade.
Por meu lado, não sei se homem ou mulher, velho ou jovem, rico ou pobre. Não me importa. Por um momento, eu me vi superficialmente afetado pelas consequências dos problemas daquela pessoa. Enfim, longe de querer uma moral para o caso, mas até que ponto alguém precisa ir para ter a atenção dos outros?
Dormirei pensando sobre isso. Porém, este também não será meu problema por muito tempo.