Pequenos negócios (uma história mais que real)

Estava quebrada, se a dependurassem de cabeça pra baixo, não cairia uma moeda. Pensou em dona Maria José, a morenona, casada com um funcionário do petróleo, naquelas épocas em que esse pessoal era rei. Cheia de pulseiras, brincos, broches cravejados, aneis, tudo em ouro e com pedras preciosas. Era uma espécie de Chica da Silva sem barco. Tudo que queria, o marido dava. Mimosa a Maria José, na bolsa talões de cheques estrelados, dinheiro em espécie à vontade, satisfazia seus sonhos de consumo. Presenteava. Uma mulher sorridente, simpática e meio inocente, gente boa. Boa de enganar. Dona Giovanina, branca, professora primária, casada com um barbeiro, tá se vendo, pobre, casal pobre. Para ajudar ao marido amado e por quem daria a vida e a alma, procurava sempre alternativas para melhorar o desempenho familiar e vendia roupas, louças e penduricalhos. Professora e sacoleira. Era uma família de interioranos e de uma cidade cheia de preconceitos, tradicionalismos e exigências com o visual, tinha que se andar bonito ou não seria considerado gente.Fim de mês, as latas de mantimentos vazias, a hora do café se aproximava. Giovanina teve uma ideia, mandou o filho ligar do orelhão da esquina, chamando Maria José. A boa senhora veio e Giovanina ofereceu o sofá, um cafezinho que ainda sobrava na garrafa e água. Começou a falar. Dona Maria José, que linda a senhora está, vendendo saúde e beleza. Deixe que nem a achava tão bonita assim, achava bonito o que a outra tinha na bolsa colocada ali, no pequeno centro da sala. Dona Maria José, mandei chamar a senhora porque tenho aqui um vestido a coisa mais linda do mundo. As minhas clientes querem porque querem o vestido verde. Eu o escondi porque vejo que ele é a sua cara e, como a senhora é minha freguesa vip, eu não o venderia para outras. O vestido é um encanto. Dona Maria José ouvia tudo sempre com aquele sorriso de bondade, boa fé e carinho. Ah, que bom que guardou pra mim, adoro vestidos, bolsas, sapatos, pulseiras, tudo. A senhora tem mais para me mostrar? Que pena, Dona Maria José, nada mais tenho, vendi tudo e só se salvou o vestido verde porque o guardei para a senhora. A verdade é que Giovanina nem teria como repor o estoque de sua sacola, a situação era braba, mas não poderia fazer feio logo para a cliente que pagava à vista e era a esposa do homem do petróleo. Tinha que fazer uma boa figura como negociante eventual.Vou buscar o vestido. Por favor, vá. O tal vestido nem era lá esses balaios todos, mas dona Maria José já sorria mais ainda em ver a novidade, mesmo estando vestida a rigor. Nem Giovanina apresentara devidamente a obra de arte da confecção e dona Maria José dizia que lindo, que cor maravilhosa, tomara que dê em mim. Deu. Que sorte. Já vestida e diante de um espelho onde se viam Maria José no vestido verde e Giovanina, a vendedora caprichava. Poxa, eu sabia, ele foi feito pra você, veja o decote como ficou bem, muito assentado, mas tinha que ser na senhora, pois tem um belo busto. Passava as mãos de vendedora pela cintura e adjacências de Maria José e dizia que belo está, como ficou feito uma luva. Tinha que ser seu, ô morena bem feita de corpo, linda, o seu marido vai adorar a senhora nesse traje. Aí foi que Maria José se desmontou no maior sorriso e disse é meu, quero e perguntou quanto custaria. Uma pequena fortuna. Passou o cheque e seguiu feliz, muito feliz.