A borboleta e as cores

Ela está sentada ereta e tensa, parece não notar nada do que se passa ao redor.

Levanta os olhos de vez em quando, a um barulho mais alto ou um arrastar de cadeira, como se emergisse de um sono. Um rapaz, pede-lhe licença pra sentar aquela mesa, e ela levanta os olhos como se viesse de muito longe. Sorri polidamente e aquiesce. Ele senta não sem antes notar o alheamento dela, que parece estar em outra galáxia.

Seus gestos são lentos, aleatórios e ela parece não perceber que há um prato de comida diante de si. Não parece preocupada, apenas alheada.

No prato há uns palitos de cenoura, uma rodela de beterraba, umas ervilhas bem redondinhas, uma tirinha de carne e uns poucos grãos de feijão sem o molho. Até parece que ela se esmerou em colorir o prato como uma paleta de pintor. Ela olha pra seu prato, mas sua operação consiste em picotar em pedaços menores as tiras de cenoura, já fez a beterraba correr pelo prato, deixando tudo com um lindo colorido e corajosamente empenha-se em espetar uma ou outra ervilha que foge da ponta do garfo. A carne é um ser estranho para o qual ela olha e não se decide nunca a tocar. Levou à boca dois contados grãos de feijão e limpou-se meticulosamente com o guardanapo de papel. Torna a fazer a beterraba corre pelo prato, e parece que essa é a única função dela naquele prato: passear e colorir.

De repente, sua atenção é chamada pela garçonete e ela fala algo em voz baixa.

Minutos depois, a garçonete retorna e apresenta-lhe uma colorida taça cheia de um creme rosa, com uma cereja em cima. Ela olha animada a delicadeza daquele arranjo quase floral, e toma a taça com todo o cuidado.

Empurra o prato e começa a tomar da taça; após a segunda colherada, ela começa a mexer o conteúdo da taça com a colher e aquilo vai se desfazendo. Tem um ar satisfeito e leve como o de uma criança que ganhou um doce.

O jovem diante dela, disfarçadamente olha pra aquela operação e sem querer faz um ar de espanto. Ela capta isso e diz com voz clara, quase infantil.

Eu gosto é das cores. Pra o gosto eu não ligo muito.

Ah...é...

Fica sem jeito de ter sido notado e de repente ocorre-lhe que a moça parece uma borboleta em busca cores. Olha pra os gestos leves, alados até, dela e se pergunta se ela não seria uma borboleta disfarçada de gente.

Ela se levanta, dá um sorriso a ele e ao sair, ele nota que ela está vestida de preto absoluto, e até as unhas são pintadas nessa cor. Levanta o braço pra sacudir a longa cabeleira negra e uma aba de tecido parece formar uma asa.

Ela disse gostar das cores...é talvez ela tenha fome de cores e seu alimento consista nisso.

Ele ficou boquiaberto olhando-a se afastar e afugenta aqueles pensamentos. Está pirado ou anda lendo vendo muito filme...