Livros para reciclagem

Quando eu era bem jovem, devia ter uns quatorze anos, assisti ao filme: “O Diário de Anne Frank”. Curiosamente era essa a idade da protagonista. Naquela época, eu passava uns dias com os meus pais, na casa de uns parentes no Rio de Janeiro e não sabia nada sobre esse diário. Fiquei chocada com o triste fim daquelas pessoas que ficaram escondidas durante tanto tempo, cheias de esperança de que a guerra acabasse e pudessem enfim, saírem seguras dali. Aquele filme me marcou bastante por se tratar de uma história verdadeira e, por isso, sempre voltava às minhas lembranças.

O tempo passou e, eis que um livro com este título, chegou às mãos de meu irmão e ele o leu. Gostaria de destacar a forma que esse livro chegou até ele. Enquanto aguardava pelo conserto de sua caminhonete, viu ao lado da oficina um depósito de sucata. Como estava sem ter o que fazer deu uma olhadinha nesse cômodo e, para sua surpresa, havia uma prateleira com várias pilhas de livros. Ele se aproximou e com espanto viu obras de autores famosos, bem encadernadas e em ótimo estado. Foi até ao mecânico e quis saber a razão daqueles livros estarem ali. Ele disse: “Tudo isso é para ser reciclado, mas temos o costume de separar os livros do restante por que se alguém se interessar, vendemos por oito reais o quilo”. Meu irmão não pensou duas vezes e já foi separando as preciosidades que ele havia descoberto.

Destaco aqui uma coisa que me deixou triste. Ali no meio havia vários livros de escritores de Pará de Minas. Fiquei pensando, é tão difícil para uma pessoa publicar um livro. É um processo demorado, trabalhoso e, no final, descobrir o destino que alguns deles terão...

Meu irmão não conseguia entender como as pessoas descartavam os livros daquela forma. Como tinham coragem de mandar para a destruição a preciosidade de um livro. Falei que achava que os donos eram pessoas que faleciam e a família se livrava das suas coisas daquele jeito. Pensando bem, era bem melhor aproveitá-los na reciclagem que queimá-los como acredito que muitos herdeiros fazem. Mas ele ainda continuava buscando respostas para tamanho despropósito e dizia: “Mas como esse falecido não conseguiu passar para os descendentes o gosto pela leitura?” Nessa hora fiquei sem resposta. Eu não consigo entender também. Será que essas pessoas não pensaram em doá-los para alguma biblioteca? Acredito que muitas aceitariam de bom grado.

Pois bem, meu irmão pegou o “O diário de Anne Frank” e me aconselhou a lê-lo. Falei que não queria, pois conhecia o filme, mas ele insistiu de uma maneira bem convincente. Disse que o lera e tinha certeza de que eu ia gostar muito, explicou que ficara impressionado com o talento literário de Anne, com a sua visão cheia de maturidade diante da vida, com a capacidade de percepção que ela tinha do íntimo do ser humano.

Segundo a crítica literária e ensaísta Francine Prose, “Anne era de fato talentosa, como se vê por sua habilidosa construção de diálogos e personagens, seu olho para os detalhes, seu domínio do ritmo da narrativa”.

Levei o livro para casa e o li. Pude constatar tudo o que meu irmão disse. Mais uma vez ficou confirmado para mim a superioridade da palavra escrita. Em um filme não é possível mostrar toda preciosidade que um texto contém. Por isso costumamos nos decepcionar quando conhecemos uma obra e a vemos representada. Mas por outro lado, as imagens se fixam melhor nas nossas mentes. Acho que o melhor seria conhecer a obra, o filme e tirar as nossas conclusões.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 30/01/2013
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