Crônica de uma sala de aula - Capítulo I
Primeiro capítulo
Cenário: uma das salas de aula localizadas no terceiro andar do prédio do Campus I do CEFET, em Belo Horizonte.
Situação: correção da primeira prova da professora Suelen, na disciplina Estudos de Linguagem II. As questões da avaliação versavam sobre fonética articulatória consonantal.
Personagens: todas elas são protagonistas principais, com possibilidades de se tornarem heróis ou anti-heróis, independente de suas próprias vontades. Cada personagem traz em si traços de um ou outro caráter, o que não altera em muito as regras do jogo ou da história. As personagens da narrativa são constituídas por professore(a)s e aluno(a)s do 2º. período do curso de Letras.
Época: quanto à data dos fatos aqui narrados... bem... o dia talvez fosse uma sexta-feira, 25 de janeiro de um ano qualquer.
Narrador: ora, o contador da história sou eu mesmo que estou contando o caso!
Em dado momento da correção da prova, propôs-se como exemplo de uma questão a transcrição dos fones da palavra advogado. Para isso a turma declarou a utilização da pronúncia “adivogadu”, com a inclusão de uma letra I logo depois da letra D.
Iniciaríamos em seguida a transcrição dos fones.
De repente alguém levantou outra hipótese: havia a possibilidade de certos falantes se utilizarem igualmente da expressão “adevogadu”, com a inclusão de uma letra E no lugar da tal letra I do exemplo anterior.
Sim, pensaram todos: era possível que determinadas pessoas falassem “adevogado”. E cada um então se lembrou, talvez, que conhecia ou conheceu alguém que se expressava exatamente daquela maneira.
Isso fora o bastante para que o colega Vanderci - com o rosto quase explodindo de tão vermelho! - se manifestasse em alto e bom som e de uma maneira veemente:
- Olha gente: se um cara desses viesse falar “adevogado” pra mim, eu não contrataria ele de jeito nenhum! Nem a porrete!
Nesse momento pipocou um bocado de risada por toda a sala. Mas a professora não perdeu tempo e contra atacou imediatamente:
- Mas isso é preconceito linguístico, Vanderci!
- Não é não, professora - insistiu o cabra ainda mais vermelhinho que antes. Pode até ser preconceito profissional, mas linguístico não é não!
- É sim, prosseguiu a Suelen. Na concepção do Marcos Bagno isso tem cara de ser preconceito linguístico! E a fala e a língua estão nos mostrando claramente ser este um caso de...
Neste ponto o colega Júlio resgatou a palavra da boca e da mente da nossa professora e esclareceu para todos nós que de fato aquilo não era nada mais que...
- ...regionalismo, professora! Puro regionalismo!
Tivemos durante alguns segundos mais uma série de manifestações e um acalorado falatório que se misturava a muitas risadas.
Mas o Vanderci - que não se achava completamente convencido de ter cometido um preconceito linguístico – ainda tentou se justificar com a turma:
- Tá bem, gente: talvez seja mesmo um caso de preconceito linguístico. Pode até ser! Mas – aqui pra nós – esse foi o meu primeiro preconceito, viu! Foi o primeiro que eu cometi na vida. Eu juro pra vocês que foi o primeiro. Eu juro!
Nossa crônica continua no próximo capítulo...