Como dinheiro perdido no bolso de um casaco
COMO DINHEIRO PERDIDO NO BOLSO DE UM CASACO
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 30.01.13)
Até meados de janeiro o Luis Antonio (sem acentos nos nomes em obediência ao seu registro civil) já havia ligado duas vezes. Não foi assim, mandou um torpedo pela telefonia móvel celular, nem assim, digitou uma mensagem eletrônica de palavras arbitrariamente abreviadas e anglicizadas, muito menos assim, navegava ao léu pelo ciberespaço (termo antigo, este, já caído em total desuso), encontrou por acaso o amigo também vagando vagabundo e, por desfastio, resolveu chamá-lo através das facilidades de voz da grande rede mundial de computadores.
Não, isso seria fácil, banal, casual e, acima de tudo, desprovido da verdadeira vontade de conversar. O que o Luis fez foi pegar o telefone (o fixo, o tradicional), discar o número e esperar o alô da outra ponta. A carga de vontade explícita de fazê-lo fica sublinhada se atentarmos que, em ambas as ocasiões, as ligações telefônicas foram interurbanas, o que implica certo custo financeiro, disparadas do Rio de Janeiro em direção a Florianópolis.
Engenheiros os dois, têm, sempre tiveram, um único assunto a ocupar horas de conversas infindas: Literatura. Literatura, o que leem, o que escrevem. Não seria diferente agora. Apesar de passarem meses, até anos sem se falarem, quando o fazem retomam o assunto como uma continuação do papo de ontem à noite.
O Luis é carioca de raízes mineiras (o que parece redundância, tão raro é encontrar gente do Rio sem fortes ligações de sangue com Minas) que passou um tempo trabalhando e vivendo na Ilha. Em Cataguases teve um tio literato com participação ativa no grupo que lá se estabeleceu pelos anos 40 sob a liderança de Rosário Fusco. Como escrevo à mão e de cabeça, não tenho à disposição a vasta memória detalhista e quase infalível da Internet. Com os dados aqui dados, o interessado chegará facilmente à chamada "verdade factual" do que cá vai dito.
Na antiga Desterro, onde chegou por volta de 1975 e de onde levou, anos depois, um filho barriga-verde, Luis Antonio publicou seus primeiros livros e ganhou prêmios em conto e poesia. Assinava Martins Mendes.
Pois ele ligou no início do ano para dizer (seriam apenas propósitos de Ano Novo?) que havia feito ajustes em sua vida de forma a sobrar-lhe o indispensável tempo para dedicar-se a um novo livro de contos, já com cinco temas e histórias para desenvolver.
- Te juro que este ano publico um novo livro de ficção! - afiançava, convicto.
Pois nem passada uma semana, ele torna a ligar. Nem te conto!, diz, eufórico.
O que ele conta (em outras palavras) é mais ou menos assim: as pessoas ficam muito satisfeitas quando encontram uma nota de cinco ou de dez, ou mesmo uma moeda de um real, perdida no bolso de uma roupa que não usam há tempo, um dinheiro inesperado porém honesto, gerado pelo esforço do próprio trabalho. Imagine-se agora se a nota recuperada for de 100 reais.
Pois o que o L. A. Martins Mendes vem contar é que, na desocupação de um sítio fluminense que vendeu, no meio de todas as coisas que se guardam onde sobrar algum espaço havia um pequeno maço de dois cadernos escolares amarrados com barbante amarelado. Desfazendo o pacote perdido, encontrou... 1.800 reais!
Na verdade, esquecidos, ali havia 18 contos, já ignorados por ele, em todos os estágios de realização: prontos, quase prontos, esboçados, rabiscados, esquematizados.
Tenho para mim que, neste momento, o Luis nos deve pelo menos dois livros de contos - muitos dos quais, ele confessa, textos ainda ilhéus.
–
Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com/.
"Não podemos fazer o que for necessário. Temos que fazer o que for certo."
Gary Bostwick, advogado, citado por Janet Malcolm em O Jornalista e o Assassino.