Por que os homens velhos suicidam?

Ante as milhares de incompreensibilidades humanas que em 7 décadas não consegui ainda decifrar com clareza e certeza está o suicídio. Em discutições bodegueiras, as mais acaloradas, ou em elegantes tertúlias, ainda não se chegou a uma conclusão: o suicídio é coragem ou covardia? Nos debates mais acadêmicos há ainda mais controvérsias, cada uma com fortes e fundamentadas explicações.

Penso que o suicídio seja uma tomada de decisão; de dar um basta. De por um ponto final. Nem corajoso nem covarde. A ciência trata de suas causas, que segundo afirmam estudiosos, psicólogos e psiquiatras, o suicídio é um transtorno mental e psicológico.

“O suicídio é um fenômeno enigmático e desconcertante. Por causa da incapacidade dos outros para ocupar diretamente o mundo mental do suicida, o suicídio parece iludir explicação fácil.” É o que explica a Enciclopédia de Filosofia da Universidade de Stanford, California nos Estados Unidos. O suicídio é hoje objeto de estudo científico multidiciplinar, mas desde Platão tem sido foco de analise filosofica envolvendo questões conceituais,teológicas e morais cuja questão central é outra: o suicídio é moralmente admissível, e moralmente necessário em circunstância extraordinárias? Eu penso que é.

Achar que o suicídio é moralmente inadimissível vem da tradição religiosa cristã. Tomás de Aquino acreditava que o suicídio viola a lei natural de Deus, que foi por ele criada para governar o mundo e a própria existência humana. Portanto o suicida viola a lei natural e a lei teológica; essa porque os seres humanos procuram preservar-se. Violar essas leis tornam o suicídio antinatutal.

Para o filosofo escocês David Hume os argumentos do direito natural não podem se desvincular de uma metafísica altamente especulativa teísta. Ele entende que esse argumento não é confirmado por observações da natureza humana e dá como exemplo a existência de comportamentos auto-destrutivos humanos o que põe em dúvida a afirmação de que devemos "naturalmente" preservar a nós mesmos. Afirma ainda que outros atos humanos, como por exemplo, o martírio religioso, que Deus aceita, também violam as leis naturais e tornam a proibição de suicídio arbitrária.

Para a maioria das pessoas Deus, e não os indivíduos humanos, têm a autoridade moral adequada para determinar as circunstâncias de suas mortes. Esse argumento tomista, de que somos propriedade de Deus e por isso o suicídio é um mal que fazemos a Deus semelhante ao roubo ou destruição de propriedade é inaceitável. Se nós somos propriedade de Deus, somos um estranho tipo de propriedade, já que Deus nos deu também o livre arbítrio que permite agirmos de maneiras que são incompatíveis com a vontade de Deus ou com suas intenções. É difícil aceitar que uma entidade autônoma, com livre vontade, pode estar sujeita ao mesmo tipo de controle ou domínio a que estão outros tipos de bens. Esse argumento faz supor que Deus não quer que sua propriedade seja destruída. No entanto, dada a concepção teísta tradicional de Deus “como poderia a destruição de algo que Deus é dono,a vida humana, fazer-lhe mal ou aos seus interesses?” pergunta D. M. Holley em artigo que escreveu no Journal of Religious Ethics. “É difícil conciliar esse argumento com a afirmação de que Deus é todo-amoroso. Se a vida de uma pessoa é suficientemente má, um Deus todo-amoroso pode permitir que sua propriedade seja destruída através do suicídio.”

E finalmente, há os que questiom a extensão das obrigações impostas pelo direito de propriedade de Deus em nós, argumentando que a “destruição da propriedade pode ser moralmente justificada, a fim de evitar danos significativos para si mesmo.”

Sobre esse assunto fico com a definição da Stanford Encyclopedia of Philosophy: “não só é o suicídio digno de investigação filosófica em seu próprio direito; é fonte de conhecimento para diversas subdisciplinas filosóficas: psicologia moral, teoria ética, filosofia social e política, a metafísica da personalidade, a vontade livre e teoria da ação.” Suicídio é também uma área onde se cruzam interesses filosóficos com os das ciências empíricas. Os esforços coletivos de filósofos e outros estudiosos continuam a iluminar o que para muitas pessoas é o mais incompreensível dos comportamentos humanos.

- “Que pensas da vida?”

- “A vida é como um anfiteatro anatômico: aí estudamos as chagas sempre abertas,vemos a podridão,o mal, o horror, o cancro e o pior de tudo a “hipocrisia do otimismo”, tudo num montão de lama – a sociedade.”

Essa foi a resposta que deu Pedro Nava aos 17 anos num questionário feito pelo Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, onde estudava. Pedro Nava foi médico e escritor – dele li apenas um único livro, Bau de Ossos – ele suicidou aos 80 anos com um tiro na cabeça numa praça do bairro da Glória, onde morava, naquela cidade. Até hoje cogita-se que matou-se por não suportar a chantagem de um garoto de programa.

Raquel de Queiroz, numa entrevista, disse que não se referia a homossexualidade de seu primo “porque ele se matou para esconder isso....ele se matou para não ser desmascarado por um sujeito que estava fazendo chantagem.”

O suicidio de Pedro Nava foi a mais de trinta anos e foi o primeiro que me afetou diretamente. Havia lido um de seus livros de mémórias, “comovente e assustador, divertido e fascinate” como comentou seu amigo Carlos Drummond de Andrade, e não entendia, sobretudo, por quê ele havia se matado já tendo 80 anos de idade. Por que um homem velho comete suicidio?

Em 2010 Mario Monicelli suicidou aos 94 anos de idade saltando do quarto andar de um hospital em Roma onde estava internado com câncer na próstata em fase terminal. O genial diretor de centenas de filmes dos quais assisti alguns – Boccaccio 70, Os companheiros, Casanova 70, O incrível exército de Brancaleone. Em 2003 apareceu como ator em 3 cenas do filme Sob o Sol da Toscana, essa belíssima região da Itália, trocando flores murchas por outras tenras numa espécie de altar no muro da Bramasole. Estava velho e triste, ator e personagem. Mario Monicelli não suportou o sofrimento que seus últimos dias de vida lhe impunham. Por que um homem velho comete suicídio?

Valmor Chagas suicidou dia desses aos 82 anos de idade com um tiro na cabeça na sala de seu sítio em Guaratinguetá. Um dos mais celebres e talentosos atores brasileiros não deixou nenhum bilhete que fosse “para não ser dramático”. Não apresentava, disse seu caseiro de mais de trinta anos de serviços,nehuma razão para matar-se. Vivia só mas não era solitário, Estava doente, enchergava apenas o vulto dos objetos e das pessoas e sabia que ficaria totalmente cego. Ano passado foi ator e personagem cego de seu último filme, A Coleção Invisível. Por que um homem velho comete suicídio?

Por que acabar com o pouco que resta da vida se mais dia menos dia morrem os homens velhos?

Para viver é preciso motivação, além de saúde, é claro. Mas quando não se tem boa saúde, que é uma inexorável condição dos velhos, e falta motivação, por que continuar vivendo? Viver assim é um sofrimento inútil. A morte não dói.

Getúlio Vargas preferiu sair da vida para entrar para história aos 72 anos. Stefan Zweig, escritor e filosofo autríaco, suicidou aos 60 anos, o primeiro dos anos da velhice, em Petrópolis, no Rio de Janiero. “Depois escreveu dos 60 anos – escreveu - são necessárias forças incomuns para começar tudo de novo...saúdo todos os meus amigos.Que lhes seja dado ver a aurora dessa longa noite.Eu, demasiadamente impaciente,vou-me antes.”

Homens velhos se matam porque a morte não dói; é um balsamo. E o suicídio não se planta no terreno da coragem ou da covardia. Não é assunto de parte da ética, da moral ou da lei; não é proibido suicidar. Que ninguém se atreva a condenar o suicida, como faz o juidaísmo,o cristianismo e o islamismo, que com sua confusa teologia de inquirição da existência humana e da interferência de um ser abstrato supremo sobre nossas vidas, aceitam a atitude que condenam, quando lhes convém, como o martírio.Aos mártires asseguram uma “vida eterna” plena de privilégios após a morte.

A morte por suicídio é planejada. É uma escolha. Não é morte imposta ao corpo deteriorado pela doença, nem pela fatalidade ou pelo acaso, e, sobretudo, não é reultado da estupidez humana de descaso pela vida alheia ao matarem-se uns aos outros. A morte por suicídio é a mais lúcida saida da vida.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 30/01/2013
Código do texto: T4113046
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