O JORNALISTA E O VAGABUNDO

Clodoaldo era um bêbado à frente do seu tempo. Criados pelos avós (digo, os quatro avós), vizinhos em uma rua comercial, começou a beber involuntariamente ainda meninote, entregando correspondências nos bares da redondeza, suprindo o ônus do avô materno, que vivia na fadiga dos 53 anos de serviço prestados aos correios.

Clodoaldo teve uma história alcoólatra curta, baseada em uísques e botequins, apesar de levar uma vida etílica saudável até os trinta. Então, encontrou Estácio, que comemorava sozinho, seu aniversário no Paradise Night, famoso ponto noturno. Tinham em comum, além das camisas manchadas do bordô, a insatisfação com o governo. Estácio era maduro, de um grisalho cintilante, que sentia-se preso às amarras do nacionalmente correto. Clodoaldo, jovial, criticava a descomunal lambança política, que assistia religiosamente nos telejornais. Aliás, tinha outra coisa em comum: o jornal.

Estácio fora o primeiro da família a adquirir um diploma de ensino superior, um troféu ostentado pelos pais. Clodoaldo, o primeiro a concluir o ensino médio, apesar do avô carteiro, que lia dificultosamente, e sustentou sabe-se como este ofício.

Nascia no Paradise Night o mais novo comentarista político do jornal comandado por Estácio. Como um estopim, Clodoaldo ascendeu ligeiramente sua fama nos diários, era conhecido pela acidez nas críticas à câmara municipal, e também como o "caipirinha da Rua do Cambulhado", alusão e alcunha imprópria e de mal gosto para um ex alcoólatra, agora respeitado pela esquerda citadina.

Clodoaldo era um adulto menino, projetado na sombra inconsequente de Estácio, um velho adulto. "O caipirinha" era um fantoche, uma marionete nas mãos, bocas e pés da redação. Estácio mal se deu conta, mas tornou-se incorreto demais para as diretrizes nacionais, criou um ambiente de maior lambança que o político, aprisionou-se nas próprias armadilhas, praticou o denunciado nas entrelinhas das suas críticas usando Clodoaldo, um coração de ressaca, para redigir sua própria morte. O sistema dominou-lhe sorrateiramente, e seus anticorpos foram, assim como os da massa, persuadidos. Foi expulso da esquerda, e como libertário frustrado mudou-se para a China. Clodoaldo, suicidou-se no almoxarifado do Paradise Night, onde nasceu e morreu, assinou e despachou sua carteira nacional.

Liz Agostinho
Enviado por Liz Agostinho em 29/01/2013
Reeditado em 29/01/2013
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