Violão de lupanar

Um dia, as luzes da ribalta do circo mambembe lhe haviam refletido um futuro de glória artística. Tocando na orquestra do circo, Beba chamou a atenção do pessoal. “Vamos pra São Paulo, gravar um disco. Você toca bem demais!”, disse o empresário ocasional. Beba recusou o convite. Bastava pra ele o delírio das mulheres damas da zona, o carinho da voz de Heleno Boca de Rosa e a admiração dos bebinhos nas mesas de botecos. Jamais saiu de Mari. Seu violão matuto só aprendeu a dedilhar as pequenas paixões suburbanas das meretrizes e dos caneiros, seus amigos.

Beba aprendeu sozinho a tocar o instrumento. Sem saber ler, faz seus acordes e improvisações com a naturalidade dos gênios. Beba do Violão, seu nome, sua profissão de fé, sua vida. Beba de Mari, tocador dos lupanares, das noites seresteiras. Além de tocar violão, só sabe pescar. Nenhuma dessas atividades rende o suficiente para manter a prole, que não é pequena. Completa a renda com ajuda dos amigos, quando rola raramente um couvert artístico. Com certo ar involuntário de superioridade, sabe-se rodeado da consideração dos admiradores. Na maioria das vezes, quando se embriaga, um também involuntário vazio o assola. Beba só é bom no começo da festa. Depois de alguns copos, só toca o que gosta, não atende pedidos. Não é profissional. Se fosse, estaria em São Paulo, gravando discos, tocando na banda de Roberto Carlos. Foi convidado, mas nunca saiu de Mari, onde tem quem goste de ouvir sua “Beleza da rosa”, seu violão endiabrado, onde pode manter sua altivez de artista do povo.

Meu compadre Beba do Violão era o astro principal do programa que eu apresentava na Rádio Comunitária Araçá, toda sexta-feira. Chamava-se “Seresta brasileira”, onde pontificam as vozes modestas, mas sinceras, dos seresteiros João Pião e Heleno Boca de Rosa, o Augusto Calheiros das piniqueiras. No estúdio apertado, eu reunia meia dúzia de artistas já um tanto “tocados” pela água de alambique. Depois do programa, a gente sempre completava o horário na barraca de Joca, esticando para o cabaré de Maria Pintada. O empresário era Assis Firmino, o cara que é feito bolacha: em todo canto se acha. Rapaz comunicativo que sempre procurou seu lugarzinho ao sol. Se o sol não entra pela porta, ele sempre arruma um jeito dele entrar pela janela.

Quanto a Beba do Violão, continua aquela pessoa simples, sem machucar ninguém, tocando seus acordes analfabetos e mágicos, vivendo quieto no seu cantinho, pegando um trocadinho aqui e ali com o suor de sua arte. Um suor que parece menos nobre. Mas não é.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 29/01/2013
Reeditado em 30/01/2013
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