Conversa entre amigos
Sempre tive um prazer mórbido em cemitérios... Não sou gótico e nem faço rituais satânicos e afins, até respeito quem procura esse tipo de cura para suas lastimas pessoais, afinal cada um tem o Deus que merece ter.
A palavra cemitério deriva do latim coemereterium, que significa “pôr a jazer” ou fazer deitar, gosto de tudo que possa ser feito deitado, talvez seja uma explicação...
Gosto da paz e tranquilidade que reinam nestes lugares, o silêncio de um cemitério é serenidade pura, isso me fascina...
Apesar da admiração não sou nenhum NECROTURISTA, não costumo fazer visitas frequentes, vou sempre que necessário, e sempre que vou procuro contemplar toda a “beleza” do local...
A ultima vez que fui a um cemitério foi no enterro da minha avó... Com certeza um dos dias mais triste que já tive até hoje. Tenho meu avô como um oráculo, minha admiração por ele é enorme... E minha avó eu sempre admirei por ter conquistado meu avô e por conviver cuidando dele até quando pode (talvez seja uma admiração machista, entendam como quiserem mais tem coisas na vida que existem para serem sentidas e não para serem explicadas...), sem falar no cuidado que ela tinha para com seus filhos e netos.
Posso me gabar por ter sido declaradamente o neto que ela mais gostava, isso ela fazia questão de deixar bem claro, sinceramente eu não sabia por que, mais gostava de ser o queridinho da vovó.
O seu velório foi em um dia cinza daqueles que o sol é menos quente do que parece ser, definidamente um dia lúgubre e ruim, lagrimas iam caindo do rostos das pessoas que compartilhavam da mesma dor que a minha.
A todo o momento alguém vinha incomodar minha tristeza, a fim de confortar algo inconfortável.
(...) Ninguém compreendia que eu precisava sentir aquilo... Quando estou triste me sinto vivo, é através da tristeza que a alegria nasce, pois ela nada mais é do a ausência de tristeza, portanto só é realmente feliz quem sabe valorizar seus momentos tristes... Não há nada fixo na vida fugitiva, nem dor infinita, nem alegria eterna, nem impressão permanente, nem entusiasmo duradouro, nem resolução elevada que possa durar toda a vida! Tudo se dissolve na torrente dos anos.
Os minutos, os inumeráveis átomos de pequenas coisas, fragmentos de cada uma das nossas ações, são os vermes roedores que devastam tudo quanto é grande e ousado...
Nada se toma a sério na vida humana, nada que o senhor tempo não leve em suas asas... Minha vontade era de gritar, saíam daqui, me deixe triste, vocês querem curar com abraços e palavras, o que só se cura com dias, minutos e segundos...
Nada que alguém falasse naquele momento ia me confortar, a tristeza era minha e queria saboreá-la ate seu ultimo gostinho .
(...)
No meio aos prantos me dispus a passear pelo local e ler os epitáfios, tá ai mais uma coisa que gosto nos cemitérios, os epitáfios.
Lembrando-se de Eclesiastes onde o profeta Salomão diz que tudo debaixo do sol é vaidade, acredito mesmo que o epitáfio é a última vaidade do homem.
Durante minha caminhada solitária pelas ruas estreitas, no bairro de moradores demasiadamente silenciosos, fiquei meditando sobre o meu epitáfio... O que escrever na minha lapide? (...) Pensei em algumas coisas do tipo:
“Aqui jaz um homem que soube aproveitar seus 110 anos. Mais infelizmente um marido ciumento lhe tirou a vida”.
Como viram não me veio nada de interessante na cabeça, acho que não estou pronto para morrer, isso me remeteu a Albert Camus.
“Boas razoes para morrer são boas razoes para viver”.
Não tenho medo da morte, sempre tive consciência de que essa é a única certeza que temos... Posso sim sentir inveja dos que ficarão vivos depois que eu morrer, mais medo não...
Certa vez quando criança, perguntei a minha avó para onde iríamos depois que morrêssemos, ela com sua voz doce e calma disse: Para os braços de Deus viver no paraíso e nadar no lago da vida... Fiquei doido pra morrer.
Esse anseio para morrer e nadar no lago da vida não durou muito, meu avô, que estava perto e ouvindo nossa conversa, com sua incomoda lucidez abaixou o livro que estava em suas mãos, levantou o óculos que caiam sobre o nariz e disse: Depois da morte você vai para o mesmo lugar de onde veio antes de nascer, pro profundo e escuro sono eterno.
A vontade de morrer passou como um relâmpago, a ideia de dormir para sempre não me agradou muito.
Após ver que fiquei confuso com a resposta, ele me pôs no colo e continuou: filho não se preocupe com a morte só saiba que ela vai chegar e não vai lhe avisar.
Ele é sábio, viu que tinha piorado as coisas na minha cabeça..
Que saber de uma coisa? Disse ele. A natureza todo dia te treina para ficar morto... Todos os dias quando você deita e dorme e como se estivesse experimentando um pouco a morte... A diferença é que você ressuscita quando amanhece.
Não sei por que a explicação do meu avô foi mais convincente do que o eufemismo da minha avó, e a partir desse dia sempre tive uma visão racional sobre a morte.
(...)
A essa altura eu já estava sentado em uma tumba toda feita de mármore e granito, algo do tipo extravagante para se passar a eternidade...
Provavelmente o proprietário adquiriu muita riqueza quando esteve vivo. Fiquei por alguns minutos olhando aquele mausoléu e de certa forma intrigado para saber quem estava dentro.
Achei uma foto, e vi o rosto do proprietário. Olhei bem nos seus olhos e pensei: que palácio heim?... Não aguentei tive que puxar conversa.
___ Ei... Seu Roberto não é?... Desculpa interromper seu sono, mais creio que tempo para dormir é o que não vai lhe faltar... Estou impressionado com sua propriedade, não que eu tenha achado bonita, estou intrigado (pode ser ler indignado) com a fortuna que foi gasta aqui, eu sei disso por que esses dias reformei o banheiro lá de casa e me cobraram o olho da cara por um pedacinho de mármore, agora olho envolta do seu tumulo e vejo no mínimo um caminhão de mármore.
___ Tá eu sei que o dinheiro é seu e não tenho nada haver isso, mais chega a ser hilário Roberto. Dizem que um homem possui apenas aquilo que não perderá com a morte; tudo o mais é ilusão, você quis converter sua fortuna em mármore foi isso? (risos) Desculpa a piada, eu sei às vezes meu senso de humor chega a ser ácido.
___ Então Roberto... Não sei como foi sua vida nos seus, (espera ai deixe me fazer às contas) nos seus 62 anos de vida? Pelo que está escrito no seu epitáfio não teve muita graça...
“Aqui jaz um homem que foi muito feliz enquanto vivo”...
___Duvido! É eu duvido que foi você que escolheu essa frase cara, Isso ai é obra de da sua família, provavelmente não tinha o que escrever e vomitaram isso ai para desencargo de consciência.
___ Você deve saber ou pelo menos deveria saber que ninguém é feliz a vida toda, a felicidade é feita de momentos, se fosse um sensato deveria ter escrito assim
“Aqui jaz um homem que teve muitos momentos felizes enquanto vivo”. A vida toda de felicidade é exagero.
___ Não foi você que escolheu isso... Vejo no seu rosto e tenho certeza, você tem cara de aristocrata, de homem que gosta de Uísque e fuma charuto, é mais rústico do que essa frase Melodramática que escolheram.
Só de te olhar eu escolheria uma frase de Lord Byron, ele disse uma vez:
“Nada de monumento coberto de elogios. Meu epitáfio será meu nome, nada mais.” Isso sim combina com seu rosto Roberto.
(...) Sei não viu, acho que se os mortos pudessem ler os epitáfios que seus herdeiros lhes consagram, achariam que entraram no cemitério errado.
___ Pra você ver Roberto dinheiro não compra bom gosto, gastaram uma fortuna com seu túmulo, e me desculpa... Ta feio demais! Se eu fosse um design gay eu diria que tem muita informação aqui.
É mármore demais, cara!
___ Mais em fim deixa isso pra lá, quero saber mais de você... Parece-me ser um sujeito bacana, se a morte fosse diretamente proporcional à simpatia, pelo seu rostinho nessa foto você morreu dormindo.
( dava para imaginar um sorriso naquele rosto redondo riscado de rugas como se fossem selos de experiências)
___ Sabe Roberto a vida é cruel veja só que infâmia nascer para morrer sem saber quando nem onde... Ela vem de mansinho como não quer nada e taca lhe sua foice amolada em nossas carótidas... Isso me traz inveja dos animais irracionais cara. Queria sem cachorro, eles sim é que vivem bem, dorme e levantam sem saber que um dia vão morrer, eles sim vivem o dia como se fossem o ultimo. Essa coisa de ser um animal racional é um luxo bestial que pagamos com o preço de carregar a morte nas costas fungando em nossas orelhas. Não tem graça saber que vamos morrer.
___Como ela é Roberto?... Ela quem? A morte ué! De quem mais estaria falando... Ela usa um vestido preto e carrega uma foice?
___ E a tal da luz no fim do túnel?...Você foi em direção à luz em Robertão? Poxa, todo mundo sabe que se você ver a luz tem que sai fora ,não vai ate ela, você vacilou cara!
___ Tudo balela não é?...Sabia, acho que tememos a morte como as crianças temem dormir no escuro; e assim como esse medo natural das crianças é aumentado por contos, assim é nosso medo da morte. Muitas coisas inventadas por pessoas que nunca morreram, adquirem um conhecimento não sei da onde e fica tentando adivinhar como vai ser depois que parti. mais entendo, afinal temos medo é daquilo que não enxergamos.
___ E ai Amigo, Céu ou inferno?...Ta no céu ou no inferno? Puxa cara seu raciocínio é lento heim, tenho que soletrar as palavras pra você entender.
___ A nem precisa responder viu Roberto, Não acredito em vida após a morte, seria perca de tempo você tentar me iludir dizendo que o céu é lindo... Sabe não quero passar toda minha vida temendo o inferno, ou temendo o céu mais ainda. Quaisquer que sejam as torturas do inferno penso que a chatice do céu seria ainda pior... E mais, o que eu faria no céu sozinho? Nenhum dos meus amigos vai esta lá...
___ Gosta de ler Roberto?...Alias conjuguei o verbo no tempo errado. Gostava de ler?
Estou perguntando por que me veio um texto na cabeça que é propicio para essa nossa conversa... Autoria desse texto é atribuída a Chaplin, mas não é dele, é de Sean Morey. O que não vem ao caso agora, vou recita-lo para você:
“A vida ao contrario”
A coisa mais injusta sobre a vida e a maneira como ela termina. Eu acho q o verdadeiro ciclo da vida esta todo de traz para frente. Deveríamos morrer primeiro e nos livrar logo disso. Dai viver num asilo, ate ser chutado pra fora de lá por está muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o suficiente para poder aproveitar a aposentadoria. Ai você curti tudo, faz festas e se prepara para a faculdade. Então você vai pro colégio, ter varias namorada, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, e se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da sua Mãe passa seus últimos nove meses de vida flutuando e... Termina tudo com um ótimo orgasmo.
Não seria perfeito Roberto? RS... Também acho!
___ Bom meu amigo, já esta tarde tenho que ir, foi um prazer te conhecer, apesar das circunstancia.
Espero que eu demore um pouco mais para apertar a sua mão... (risos)
(...) Durante minha caminhada até o estacionamento fiquei pensando no meu mais novo amigo Robertão, um cara bacana ele, e me veio uma perguntar, será que ele faz falta pra alguém?...
E eu se eu não existisse que falta faria? E você? Vai fazer falta para muita gente?