Gato peste

Eu vi um gato, aliás, eu sempre vi esse gato. O nome dele deveria ser coitagato. Gostava da janela. Sei disto porque o tempo todo aquele miserável bichano esticava aqueles olhos lânguidos na direção de uma que havia na cozinha. Lânguido é só literatura, era lerdeza mesmo. Piscava lentamente um olho, depois outro, olhos remelentos. Que moleza miserável desse gato. Não, não era moleza, era fome mesmo. Gato de pobre, vivia na cozinha esperando que sobrasse um pouco de cuscuz com leite. Se coçava um pouco, se mexia devagar mesmo sendo magro e se esfregava em esse na perna da dona da casa. Gato peste. Que bichinho enjoativo. Uma preguiça da peste, aquela patinha passando pelos bigodes falhos. Vixe. Era preto e branco, a gente via as costelas. A barriga cor de rosa. Se lambia, quase comia a si mesmo. O jantar acabando, os pratos raspados e ele só abria a boca, sem coragem de miar alto. A gente pensava que ele ia conseguir, que nada, parava no meio do caminho. Que peste tem esse gato, menino? Nada, mãe, deixe o bichinho, ele só quer comer. Aí o gato ficava todo manhoso se esfregando nas mãos de Juquinha. O gato lá... parecia pensar, olhava outra vez pela janela, a lua no céu, branquinha como um prato de leite. Os olhos ficavam mais espichados para os lados e quase fechadinhos. Ai, que horror a aceitação daquele felino desclassificado. O gato de dona Maroca, a vizinha, aquilo sim, era gato, peludo, fofo, bonitão, tinha até uma almofada. Mas esse sem coragem, tem quem aguente não. Um dia pensei que ele mudaria de atitude, se levantou e andou um pouco por perto do fogão e olhou com aquela languidez de faminto para a panela de leite. Desistiu, ô peste! Que gato que não dá gosto na gente. Ali, do banquinho, fiquei reparando mais um pouco. O gato fez que não me viu, despistou, afinou dois fios de bigode, mudou de posição. Ah, agora vai, vai virar fera esse gato. Ele abriu a boca menos que a metade, parecia que dentro havia um prego. Fechou a boca, abriu um pouco mais, passou a língua de um lado pra outro, deu uma lambidinha no nariz. Só faltava esta, gato gripado. Abriu agora um pouco mais aquela boca magra e fez um esforço enorme, parecia engasgado. Ah, então foi isto, este peste de gato tá de barriga cheia de peixe que comeu por aí. Gato tosse? Não? Pois esse tossiu. Abriu a boca, me deu uma alegria enorme, enfim, ele vai miar. Mi... Desistiu. Miiiiiiii.... Nova desistência. Mi a u u u u u u u . Dá pra ser feliz com um peste desses?

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Horário sergipano: 21:13