o viajante

a estrada era o seu refúgio. sempre que se sentia preso, enclausurado em meio aos problemas, sempre que se sentia sozinho na companhia dos outros, era na estrada que buscava alento. saía sem destino, um viajante solitário em busca de si mesmo.

uma mochila velha, surrada, com marcas visíveis do tempo, carregava o necessário: um livro, uma câmera fotográfica e seu inseparável ipod, que naquele momento tocava Belchior, músicas nostálgicas e belas que ele muito apreciava.

com os fones no ouvido, admirava a paisagem vista da janela. casas coloridas, um pequeno povoado, crianças correndo umas atrás das outras, sorrindo. ao longe, em meio a um grande campo verde, uma chaminé soltava uma densa fumaça que se esmaecia após certa altura. fechou os olhos por um instante e inspirou o ar vindo de fora, por um segundo jurou que podia sentir o aroma do café fresco, moído e coado naquele exato momento.

permanecia em silêncio, não conversou com ninguém desde que subiu no ônibus. observou a moça sentada ao seu lado, mas assim que ela percebeu, desviou o olhar, baixou-o para a mochila e em seguida voltou a observar a paisagem ao seu lado, envolvo em seus devaneios.

após algumas voltas pelo vilarejo o ônibus parou. o viajante ajeitou sua pequena mochila nas costas, desceu do ônibus e, com grande ansiedade e excitação, sorriu maravilhado diante do que via. ali passaria seus próximos dias.

há uma grande vantagem em passar alguns dias numa cidade onde você não é o centro das atenções: passar despercebido em meio aos olhares das pessoas. todos estão muito preocupados em si mesmos ou naqueles em que conhecem para notarem a presença de um estranho. ser ninguém às vezes é legal.

olhava ao redor. observava cada detalhe que passava por ele. uma pequena igreja no centro da praça, pássaros voando em bandos pareciam se deliciar com a liberdade. os fiéis se adentravam à igreja, também na busca de si mesmos, pensou.

crianças passaram correndo próximo a ele, uma delas parou por um instante o olhou fixamente nos olhos, se pondo a acompanhar o ritmo frenético das outras logo em seguida. crianças... ás vezes são as mais perceptivas. uma criança é capaz de notar detalhes insignificantes ao olhar adulto.

sentou-se num banco. contemplava a beleza das flores à sua volta. muitas flores decoravam aquela praça. tudo ali era realmente maravilhoso, as pessoas, os animais, as plantas, tudo emanava vida.

alguns segundos se passaram e, repentinamente, uma moça sentou-se ao seu lado. nada disse, apenas sorriu para ele. um sorriso terno, doce. sorriso de quem não conhece, mas quer conhecer. ele devolveu o sorriso carinhosamente, reconhecendo a garota que estava sentada ao seu lado no ônibus. achou interessante o fato de não ter se importado com a presença dela ali. pegou a estrada na intenção de ficar sozinho, de ter um tempo para si mesmo, mas a presença daquela moça em especial o fez sentir-se bem.

não demorou muito e os dois já se conheciam. ela disse que gostava de gatos, ele preferia os cachorros. ela achou muito estranho alguém sair sozinho, para fugir das pessoas. ele sorriu e achou igualmente estranho uma mulher tão adoravelmente bela não ter ninguém. os dois passaram a tarde juntos e, no fim do dia, com o sol se pondo, numa paisagem digna de um dia tão perfeito daqueles, beijaram-se.

ouviu uma gargalhada. logo em seguida, um barulho, como se alguém estivesse batendo na lateral do... ônibus? abriu os olhos, assustado. o ônibus estava parado. pessoas circulavam ao redor, algumas desciam e abraçavam seus conhecidos do lado de fora. demorou alguns segundos até ele se situasse novamente, até que entendesse o que estava acontecendo, até que se lembrasse de olhar para o lado oposto ao da janela.

ele então encontrou ao seu lado aquele mesmo sorriso do sonho, percebeu naquele instante que não adianta fugir, alguém sempre vai acabar te encontrando. viajar sim é preciso, mas às vezes para isso basta pegar um livro ou ouvir uma boa música e fechar os olhos. a sensação é quase a mesma, o que muda são os personagens que a gente encontra pelo caminho. ah, meu amigo, e eu te digo, isso sim pode fazer a diferença! <3

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