Jezabel e o rei
Ele está deitado, amuado, olhando pra parede. Parece um menino de quem roubaram o doce.
Recusou comida, despachou os músicos, e solta uns suspiros queixosos. Enquanto isso, os ministros esperam, e seu camareiro tenta inutilmente fazê-lo aprontar-se para a sessão na sala de despachos.
É rei e mais parece um garoto mimado, esperando que lhe façam os gostos. Tem porque agir assim, afinal a esposa é mais rei e mais homem que ele.
Ela, já a par dos seus queixumes, entra na câmara dele e posta-se ao seu lado, enquanto pergunta.
Porque está triste teu coração e teu semblante descaído? Porque não comes?
Aquela vinha, eu a quero pra mim.
De qual vinha tu falas, afinal, o rei não é dono de todos os vinhais?
Mas aquela que está vizinha ao palácio não é minha. O dono recusa-se a vendê-la.
Ela levanta-se, sacode a longa cabeleira, rearruma num gesto senhorial seus véus de alta sacerdotisa e aproxima-se da janela. Vê ao lado a vinha que é motivo de tantas queixas.
Olha-a longamente, e depois volta-se para ele com ar determinado e desafiador.
És porventura rei ou não? - seu tom incisivo denota irritação com a atitude queixosa e fraca de alguém que é o rei.
Mas ele não a vende. Poria o preço que ele quisesse nela, mas ele recusa-se a vendê-la.
Ela faz um esgar de nojo, diante daquela moleza que lhe parece tão pouco máscula. No reino de seu pai, Etbaal, isso jamais aconteceria! Disfarça a irritação e o desrespeito que isso lhe provoca e resolve que ela agirá, afinal ele não pode ser contraditado, pois a autoridade dela também será diminuída.
Levanta-te, unges a cabeça e come teu pão. Amanhã a essa hora serás dono daquela vinha.
Ele olha para ela, disfarçando a alegria que o acomete, e continua fazendo seu papel de menino mimado, e sabe que ela resolverá tudo. Pouco lhe importa como. Permanece deitado, se fazendo de rogado e ela insiste. Sua voz tem o tom cortante que ela usa com seus sacerdotes, e não aceita objeções.
Não te disse eu? Amanhã o rei será dono da vinha de Nabote. Levanta-se e vai cuidar dos assuntos.
E ato contínuo sai pisando duro com o orgulhoso queixo levantado e tendo voando ao seu redor os trajes de sua função diante do deus Baal.
Assim que ela sai, ele levanta-se sem disfarçar seu ânimo, chama gritando o camareiro e o copeiro chefe, pra servi-lo. É agora todo sorriso e vai cumprir suas responsabilidades.
….
No dia seguinte Nabote está morto e o rei toma posse de sua vinha. Ninguém contesta a atitude da rainha, pois a desgraça é inevitável sobre qualquer um que ouse.
Só um sacerdote tem autoridade pra encará-la, e o faz, mas depois vai embora da cidade, sabendo do que ela é capaz.
O que ele vaticinou sobre a vida dela, cumpriu-se, mas demorou, enquanto o reinado de terror da poderosa Jezabel e do fraco Acabe durou.