O sopro na moleira

Boas recordações eu tenho das coisas que minha mãe preservava como verdade na época em que cuidava dos seus, em especial quando se tratava dos cuidados com a saúde. De forma natural, influenciada pelos ensinamentos de sua genitora, valia-se do que podia, em meio às crenças e medos, para nos manter livres de todos os males.

Cuidar dos pequeninos era algo que sabia fazer muito bem, era experiente no assunto. Foi mãe 17 vezes. Assim, acabou nos deixando muitas preciosidades que reconheço como uma riqueza cultural que carrego e repasso às minhas filhas. Faço isso não no sentido de dar continuidade aos mitos e crendices daquele tempo, mas com o objetivo puro de valorizar a sabedoria dos nossos antecessores (em suas práticas no mínimo curiosas) ensinando à nova geração a importância do respeito aos mais velhos.

Vivi minha infância no tempo em que era preciso soprar na moleira do bebê se ele tomasse um susto. Em caso de engasgo, repetia-se o procedimento. Se houvesse um menino soluçando, imediatamente minha mãe fazia um bolinho com uma linha vermelha ou fiapo de tecido na mesma cor e o grudava na testa dele com saliva (é nojento, eu sei, mas era assim mesmo).

Para afastar o mal olhado e livrar o bebê de quebranto (que ela chamava 'quebrante'), amarrava nele uma fitinha vermelha no braço, ou grudava no seu cabelinho, perto da nuca, um bolinho de cera de carnaúba. Corria para a rezadeira se o menino apresentasse moleza ou febre. E o banho tinha que ser com a água “quebrada a frieza”. No caso de diarreia e vômito, o diagnóstico era “vento caído” e só a reza poderia curá-lo.

Para curar as gripes, o remédio era banha de galinha. Lembro-me bem a sensação pouco agradável ao tomar isso. Ainda usei para as minhas meninas e funcionou. Um médico me ensinou que eu fritasse alho na banha, que era tiro e queda para aliviar a tosse.

Era muito cuidadosa a minha mãe. Contei ainda com muitas das suas superstições quando tive a minha primeira filha. Acompanhou meu resguardo do mesmo jeitinho que o fez sua mãe. Não me deixava sair no sereno sem um chapéu ou um pano na cabeça. Nem cuidar da higienização do umbigo da Gaby eu pude, pois ela acreditava que por eu estar menstruando, tocar no umbigo poderia causar alguma inflamação.

Quanta falta me faz esse amparo da minha mãe!

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 28/01/2013
Reeditado em 14/08/2013
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